quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Sobre "O Carteiro de Pablo Neruda"

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A vida na Ilha Negra é entediante para Mario
-->Jiménez, um jovem pescador que procura uma forma de subsistir sem ter de se dedicar à pesca, como a maior parte dos habitantes da ilha.  Mario decide então abandonar o seu ofício para se converter no carteiro da ilha, onde só Pablo Neruda recebe correio. Mario e o poeta constroem gradualmente uma relação extremamente forte. Se Mario, aos poucos, aprende a escrever sobre a profundidade dos seus sentimentos pela sua apaixonada Beatrice (é verdadeiramente delicioso o diálogo em que Neruda ensina a Mario o que é uma metáfora), Neruda ganha, em troca, um ouvinte compreensivo para as suas confissões saudosistas acerca do país. 

Entretanto, Salvador Allende ganha as eleições e as mudanças políticas sucedem-se vertiginosamente no país até acabarem por afectar gravemente as vidas dos habitantes da Ilha Negra.

A partir da
--> amizade entre o grande poeta  Pablo Neruda e o humilde carteiro que o venera e que com ele quer aprender poesia (a acção do romance passa-se por volta de 1970,  até à morte do poeta em 1973) ficamos a saber um pouco mais sobre a história do Chile e as suas tormentas políticas. 

Mas apreendemos tudo com prazer através da mestria na escrita e do humor de Antonio Skármeta. É muito, muito bom!
Deixo aqui alguns excertos do preâmbulo que abrem logo o apetite para a leitura:
"Nos gabinetes húmidos dessa redacção agonizavam todas as noites as minhas ilusões de ser escritor. Ficava até de madrugada a começar novos romances que deixava a meio do caminho desiludido com o meu talento e a minha preguiça. Outros escritores da minha idade obtinham considerável sucesso no país e até prémios no estrangeiro: o da Casa das Américas, o da Biblioteca Breve Seix-Barral, o da Sudamericana e Primera Plana. A inveja, mais que um incentivo para acabar alguma vez uma obra, funcionava em mim como um duche frio.  
Pelos dias em que cronologicamente começo esta história — que tal como os hipotéticos leitores notarão arranca entusiasta e termina sob o efeito de uma profunda depressão — o director reparou que a minha passagem pela boémia tinha aperfeiçoado perigosamente a minha palidez e decidiu encomendar-me um serviço à beira-mar, que me consentisse uma semana de sol, vento salino, marisco e peixe fresco, e de caminho importantes contactos para o meu futuro. Tratava-se de assaltar a paz marítima do poeta Pablo Neruda, e através de encontros com ele, conseguir para os depravados leitores do nosso pasquim uma coisa assim, palavras do meu director, «como que a geografia erótica do poeta». Afinal de contas, e em bom chileno, fazer-lhe falar do modo mais gráfico possível das mulheres que tinha engatado.  
(...)  
Para não tornar este prólogo eterno e evitar falsas expectativas aos meus remotos leitores, concluo esclarecendo desde já alguns pontos. Primeiro, a novela que o leitor tem nas mãos não é a que eu quis escrever na Ilha Negra nem qualquer outra que eu já tivesse começado naquela época, mas sim um produto colateral do meu .fracassado assalto jornalístico a Neruda. Segundo, apesar de vários escritores chilenos continuarem a beber pela taça do sucesso, (entre outras coisas por frases como estas, disse-me um editor) eu permaneci — e permaneço — rigorosamente inédito. Enquanto outros são mestres da narração lírica na primeira pessoa, do romance dentro do romance, da metalinguagem, da distorsão de tempos e espaços, eu continuei adscrito a metaforonas transplantadas do jornalismo, lugares comuns respigados dos crioulistas, adjectivos guinchantes mal entendidos em Borges, e sobretudo agarrado ao que um professor de literatura designou com nojo: um narrador omnisciente.  
(...)  
Sei que mais que um leitor impaciente estará a perguntar-se corno é que um mandrião acabado como eu pôde terminar este livro, por muito pequeno que sela. Uma explicação plausível é que demorei catorze anos a escrevê-lo. Se se pensar que neste lapso de tempo Vargas Llosa, por exemplo, publicou Conversação na Catedral, A tia Júlia e o Escrevedor, Pantaleão e as visitadoras e A guerra do fim do mundo, é  francamente um recorde do qual não posso orgulhar-me".
Este é o narrador que nos conduz através da história da amizade entre Mario e Neruda, e é impossível não apreciar a sua voz e a sua bem-humorada companhia.  
Verdadeiramente de-li-ci-o-so!!!

1 comentário:

estouparaaquivirada disse...

Adorei!
Tive a sorte de ver o filme primeiro e é um dos meus preferidos, como se sabe o livro é sempre melhor que o filme, portanto....é de não perder.

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