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segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

A biblioteca do Senhor Juarroz


Mark McLaughlin





O senhor Juarroz gostava de organizar a sua biblioteca de maneira secreta. Ninguém gosta de revelar segredos íntimos.

O senhor Juarroz primeiro organizara a biblioteca por ordem alfabética do título de cada livro. Rapidamente, porém, foi descoberto.

O senhor Juarroz organizou depois a sua biblioteca por ordem alfabética, mas tendo em conta a primeira palavra de cada livro.

Foi mais difícil, mas ao fim de algum tempo alguém disse: já sei!

A seguir o senhor Juarroz reordenou a biblioteca, mas agora por ordem alfabética da milésima palavra de cada livro.

Há no mundo pessoas muito perseverantes, e uma delas, depois de muito investigar, disse: já sei!

No dia seguinte, assumindo este jogo como decisivo, o senhor Juarroz decidiu arrumar a biblioteca a partir de uma progressão matemática complexa que envolvia a ordem alfabética de uma determinada palavra e o teorema de Godel.

Assim, para estranheza de muitos, a biblioteca do senhor Juarroz começou a ser visitada, não por entusiastas da leitura, mas por matemáticos. Alguns passaram tardes a abrir os livros e a ler certas palavras, utilizando o computador para longos cálculos, tentando assim encontrar a todo o custo a equação matemática que desvendasse a organização da biblioteca do senhor Juarroz. Era, no fundo, um trabalho de descoberta da lógica de uma série, semelhante a 2|9|30|93

Pois bem, passaram dois, três, quatro meses, mas chegou o dia.

Um reputado matemático, completamente vermelho e eufórico, segurando, na mão direita, num bloco gigante coberto de números, disse: já sei!, e apresentou depois a fórmula de progressão da série que baseava a organização da biblioteca.

O senhor Juarroz ficou desanimado e decidiu desistir do jogo.

Basta!

No dia seguinte pediu à sua esposa para organizar a biblioteca como bem entendesse. Por ele estava farto.

Assim foi. Nunca mais ninguém descobriu a lógica da organização da biblioteca do senhor Juarroz.
 






Gonçalo M. Tavares, "O Senhor Juarroz" 

Fonte

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Um artigo para pensar: "O tempo das bibliotecas privadas está a acabar"?

Digo já que não concordo com o Pacheco Pereira. Não acho! Vivo rodeada de pessoas  que alimentam metodicamente as suas bibliotecas, que lêem. E que lêem tanto livros digitais como em papel. Eu leio nos dois suportes. E leio muito.
O espaço sim, é um factor mas, por isso, a biblioteca cá de casa está em permanente evolução: há muitos livros que saem para outros entrarem.
Os miúdos lêem, vão à biblioteca da escola requisitar livros mesmo com toda a palafernália de telemóveis, computadores e tablets...Enfim, sou mais optimista no que concerne à relação dos portugueses com a literatura.


Chi Yung-chi


Mas deixo-vos o artigo de José Pacheco Pereira para que digam de vossa justiça:

"Pelo trabalho que tenho tido de salvar livros e papéis, posso perceber algumas tendências da relação das pessoas com os livros, e ver o modo como, na substituição das gerações, numa elite letrada e educada, algumas coisas estão a mudar. É ainda uma observação muito impressionista, mas penso que fundada. Resumindo e concluindo: está a morrer uma geração que tinha muitos livros, pequenas e médias bibliotecas, e a geração dos seus filhos e netos não sabe o que há-de fazer com aquilo que herda. Não digo isto em sentido pejorativo, até porque seria contra o meu interesse próprio, pois tenho recebido muitas ofertas de bibliotecas, algumas integrais, e compreendo bem demais como os livros se podem tornar um ónus para os mais novos, que não têm condições, nem casas, nem interesse em os manter. Mesmo que os mantivessem, seriam bibliotecas mortas, sem ser usadas ou alimentadas. E uma biblioteca para ser viva precisa de alimento, de livros novos.

Muita gente pensa que uma casa sem livros, ou quase sem livros, como muitos jovens têm, é o resultado de uma substituição de uma tecnologia por outra. Não precisam de livros em papel porque está “tudo” na Internet, e há ebooks, e podem ler no telemóvel, no tablet, no ecrã do computador, tudo o que querem, de graça e sem ocupar espaço nas casas cada vez mais exíguas. Não penso isso, não penso que a substituição da leitura física dos livros em papel, por livros no Kindle, ou em qualquer outro suporte, é comparável ou é uma mera substituição de suporte. É outra coisa.

É verdade que mais gente lê hoje do que no passado, com a democratização do ensino e o avanço da escolarização. Mas haver mais gente a ler, não significa que se reproduzam o mesmo grau qualitativo de leitura, de necessidade de leitura, de intensidade de leitura, o hábito quase quotidiano de ler e de ler durante um tempo que hoje seria tido por “muito tempo”. A verdade é que as pessoas estão a ler de forma diferente, mas também é verdade que estão a ler menos porque, se não fosse assim, se podiam “desfazer” das pesadas bibliotecas de seus pais, mas estariam a fazer a sua, uma estante ou duas, de livros realmente lidos, ou seja, teriam mais livros do que têm. Leitores dedicados, com a mesma pulsão do passado, em ecrã, ainda é uma maravilha que está para aparecer. Duas horas a ler um romance, era um tempo trivial de leitura há 40 anos. Quem é que está duas horas diante de um ecrã a ler Balzac, Faulkner, Roth ou Coetzee? E utilizo deliberadamente estes exemplos, porque quem lê estes autores lê-os em livro, até porque, razão grande, é mais cómodo. E também não me parece que façam o mesmo a ler literatura policial, ou ficção científica ou romances cor-de-rosa, num ecrã.

Não escrevo isto por qualquer nostalgia do cheiro dos livros ou da textura do papel. Percebo que há vários tipos de livros que são substituídos com vantagem por um ecrã, e o hipertexto dá uma dimensão completamente nova a um certo tipo de leitura, introduzindo volume e dimensão espacial à folha fixa do papel. Manuais técnicos, livros de referência, enciclopédias (em parte), livros técnicos, cada vez têm mais sentido apenas em versão electrónica.

Poemas, artigos, pequenos contos, rápidos, também não fazem grande diferença. O tempo que se demora a ler é um factor. Como é um factor a fluidez da leitura de ficção, que é linear e não se coaduna com o volume do hipertexto. Mas digam-me quantos dos leitores deste artigo, novos ou velhos, leram alguma vez Eça de Queirós, Cardoso Pires, Saramago, Esteves Cardoso, Margarida Rebelo Pinto, num ecrã?

Coloquem-se a ler um livro de papel ou a ler um livro no ecrã. O texto é o mesmo, mas há várias coisas que fazemos, mesmo inconscientemente e que se fazem melhor num livro em papel do que num ecrã. Uma delas é, por exemplo, folhear, e folhear não é “procurar” como se pode fazer facilmente com um motor de busca, aí o ecrã tem vantagem, mas andar para trás e para a frente à procura de uma frase, um nome de uma personagem, uma descrição.
A favor do livro em papel jogam as nossas limitações físicas e psicológicas. E, enquanto elas não forem superadas por qualquer método que nos faça poder ver ao mesmo tempo mais espaço do que o que existe num ecrã de telemóvel, ver bem em letra pequena, estar confortavelmente horas diante de um ecrã, o livro mantém vantagem. E mesmo os jovens que estão o dia todo dependurados num telemóvel não estão a ler, mas a receber e a mandar mensagens, a ver filmes no YouTube, ou a jogar. Por isso, a tese da substituição para explicar a desaparição dos livros nas casas parece-me errada.

A gente não tem os olhos que quer, nem os ouvidos, nem a cabeça. Todos temos regras que estão inscritas no nosso corpo. As máquinas ajudam, mas não acabam com essas limitações. A máquina livro tem respondido muito bem ao nosso corpo. Tão cedo não será substituída. As razões por que as pessoas lêem menos e lêem pior são outras. Estão na sociedade, não nas tecnologias".


sábado, 4 de fevereiro de 2012

Diz-me qual é a tua estante e dir-te-ei quem és / The owner's personality is stamped on his library




"A bookshelf is as particular to its owner as are his or her clothes; a personality is stamped on a library just as a shoe is shaped by the foot."

Alan Bennett

sábado, 29 de janeiro de 2011

Será que um indivíduo realmente se define pelos livros que tem na sua estante (ou no seu Kindle)?

Este é um assunto complexo. Afinal, "books are acquired for all kinds of reasons, including curiosity, irony, guilty pleasure and the desire to understand the enemy (not to mention free review copies)"

"Thanks to Timothy W. Ryback’s “Hitler’s Private Library,” we now know that Hitler read “Don Quixote,” “Uncle Tom’s Cabin” and “Gulliver’s Travels,” and considered them “among the great works of world literature,” in Ryback’s words. This is problematic enough, since a taste for great literature is supposed to make us more humane and empathetic, isn’t it?"

Leia todo o artigo "The Perils of Literary Profiling" de GEOFF NICHOLSON para o New York Times sobre este tema AQUI.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Tenha orgulho na sua biblioteca, nem que seja apenas uma estante com livros no canto da sala!

Ilustração de Kelly Light


"I declare after all there is no enjoyment like reading! How much sooner one tires of any thing than of a  book! When I have a house of my own, I shall be miserable if I have not an excellent library."


Jane Austen, Pride and Prejudice (Orgulho e Preconceito, um dos meus livros preferidos)

sábado, 14 de agosto de 2010

Dois fantasmas de biblioteca procuram colocação em casa recheada de livros


"Os Dois Fantasmas" é um conto para os mais jovens sobre dois leitores tão  insaciáveis que depois de mortos continuam a frequentar a biblioteca. :))) Posto assim pode parecer sinistro mas é na verdade uma história deliciosa com um menino de olhos grandes, dois fantasmas sedentos de Literatura Infantil, uma biblioteca e muita fantasia.


O autor é Miguel Horta. "Os Dois Fantasmas" é parte integrante do livro Dacoli e Dacolá, constituido por um conjunto de sete histórias.  Editado pela Pé de Página em 2008.



Aqui fica:

 
Moravam os dois fantasmas, “dos livros que ainda não foram lidos”, lá num casarão perdido no meio da Vila. Uma mansão mais parecida com as “casas dos Brasileiros”, bem típicas lá de Aveiro.

A casa era ampla e tinham muito espaço para deambular. Ainda por cima estava vazia, pois ninguém a queria habitar.

Voltejavam com os seus lençóis brancos, percorrendo a casa toda numa inquietude de quem procura alguma coisa. E o seu lugar favorito, dentro da grande casa, era a biblioteca escondida lá nos fundos.

Bem tentou o proprietário alugar aquela casa. Mas quem por lá passava pouco tempo ficava.

Era um desassossego durante a noite...

Som de coisas partindo-se, correntes de ar percorrendo a casa, vindas de lugar nenhum e livros tombando no chão da biblioteca. Sem nenhuma explicação...

-Ninguém pregava o olho!

Até que um dia, surgiu na vila um casal disposto a alugar aquela casa amaldiçoada. Eram gente de longe com um filho de olhos muito grandes, cheios de vontade de conhecer as coisas do mundo.

O caseiro, encarregado da transacção, ainda perguntou ao casal depois da decisão:

- Mas não têm medo da casa e da sua assombração?

E logo ali contou a história daquela triste mansão.

Tinha sido a casa de dois irmãos gémeos e professores, por sinal. Tinham vivido ali durante muito tempo e, dizem, nunca conseguiram ler a biblioteca até ao final. Morreram os dois no mesmo dia, vai-se lá saber porquê. Sem terem lido todos os livros da sua biblioteca.

O menino ficou logo curioso com a biblioteca, enquanto os pais assinavam o contrato de arrendamento.

Passado algum tempo já estavam instalados naquele velho sobrado de águas largas e árvores frondosas.

Acostumados aos ruídos da grande cidade não deram por nada, dormindo a sono solto. Mas quando a casa fez sentir seu silêncio, começaram a reparar nos sons nocturnos que vinham da vasta biblioteca.

Era um restolhar de papéis, livros caindo no soalho, janelas e portas fechando e abrindo lá no coração da noite.

Começaram logo a pensar nas palavras do velho caseiro...

Mas o menino tinha olhos grandes. É sabido que olhos grandes servem para ver o mundo até na mais completa escuridão.

Assim, uma noite em que os pais se revolviam nos lençóis sem conseguir dormir, o menino dirigiu-se à fonte de todos os ruídos: a Biblioteca.

Entrou, sentiu a corrente de ar e viu um livro aberto no chão. Tinha talvez tombado de uma das grandes estantes... Pegou nele e leu precisamente a página que estava aberta:

“Assim que entrou em casa, Gepeto agarrou logo nas ferramentas e pôs-se a esculpir e a construir o seu boneco.

Que nome lhe hei-de dar? – disse de si para si. – Quero que se chame Pinóquio”

- Mas eu conheço esta história... - pensou o menino.

E continuou a ler, desta vez em voz alta, recostando-se num cadeirão.

As correntes de ar cessaram e, até teve a sensação de que alguém lia o livro ao mesmo tempo do que ele, espreitando por cima do seu ombro. Quando terminou a história foi-se deitar numa casa agora mergulhada em sossego. O pai já ressonava com a mãe agarrada ao seu corpo.

Neste ponto, terei que dar uma explicação aceitável sobre os nossos fantasmas dos “livros que ainda não foram lidos” ou, se quiserem, dos “livros que ainda estão por ler”.

Como é sabido, os fantasmas não têm dedos. Como hão-de consultar uma biblioteca? Ora bem... Só provocando correntes de ar ou outras coisas menos materiais para fazer tombar os livros das estantes... Caído o livro no chão, basta só uma pequena aragem para virar a página... o que nem sempre é fácil. O problema reside em tirar os livros que ainda não foram lidos das prateleiras. É necessária uma boa dose de esforço e de sorte.

-Este menino veio mesmo a calhar. -pensou logo um dos irmãos fantasmas, sentindo a concordância do outro que agitou o seu lençol afirmativamente.

No dia seguinte, ou melhor, na noite seguinte, o menino dirigiu-se à biblioteca assim que escutou o som da escova de dentes percorrendo energicamente a boca do pai.

Já lá estava alguma agitação... A janela abriu-se de repente e o acervo da estante superior agitou-se destacando uma lombada.

-Grimm? Os contos dos irmãos Grimm?- interrogou-se o menino.

-Pois bem, então seja...

Sentou-se confortavelmente no cadeirão da biblioteca e começou a ler, sentindo de novo aquele arrepiozinho agradável de quem não está só. Mas os “contos de Grim” são extensos e o menino começou a ficar com sono. Então poisou o livro, aberto, sobre a grande mesa da biblioteca e foi-se deitar. A casa estava calma e cheirava a sono.

Na manhã seguinte, foi dar uma espreitadela à biblioteca. O livro que havia deixado aberto, estava agora fechado com a contracapa para cima.

-Ahhh...Então leram. - pensou, cheio de vontade que chegasse a noite. Mas o pai já estava lá fora às apitadelas convocando-o para um dia de escola.

Chegada a noite, sentindo que os pais já se recolhiam no quarto, entrou na biblioteca assombrada: E lá estava um livro tombado no chão!

Pegou no livro e leu... Matilde Rosa Araújo.

Chegou rapidamente à conclusão que aqueles dois fantasmas se tinham esquecido de ler os livros das suas infâncias. Só assim se justificava aquele tipo de escolha. Não leram nada quando eram meninos...- pensou.

De qualquer forma estava a divertir-se bastante com aquelas leituras nocturnas.

Leu um pedacinho do livro e deixou-o ficar aberto em cima da mesa.

Claro está, durante a noite, os fantasmas leram o livro todo.

A partir daquele momento, o grande casarão passou a ser uma casa serena.

E um dia, o Pai, vendo o filho descer as escadas perguntou:

-Onde vais a esta hora?

-Vou dar de ler aos fantasmas. - respondeu a criança.


Agora tenho uma pergunta para vocês, leitores.

E quando se acabarem os livros da grande biblioteca? Será que podem levar convosco estes dois fantasmas, que ainda não leram tudo, para vossa casa?

É que à velocidade a que os livros tombam no chão da biblioteca, daqui a pouco acaba-se a literatura para a infância.



Deixo abaixo uma apresentação dos trabalhos dos alunos da Turma C da Escola Major David Neto sobre "Os Dois Fantasmas":



 
 
Um  agradecimento especial a Miguel Horta por permitir aqui a reprodução do seu conto. :)
 

domingo, 1 de agosto de 2010

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