terça-feira, 21 de junho de 2016
sexta-feira, 17 de junho de 2016
Uma menina com um livro...uma mulher com o seu amante...um texto de Clarice Lispector
s.id.
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria. Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia" e "saudade".
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez. Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranqüilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se repetir com meu coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra. Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. As vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.
Clarice Lispector
quinta-feira, 16 de junho de 2016
quarta-feira, 15 de junho de 2016
Seminário Internacional “Sala de Leituras do Futuro”
Numa organização tripartida – Câmara Municipal de Barcelos, Universidade do Minho e Escola Básica e Secundária de Vila Cova, decorrerá no dia 2 de julho de 2016, o I Seminário Internacional designado “Sala de Leituras do Futuro”.
Esta iniciativa, ao reunir um conjunto de especialistas da área da leitura, das literacias, das tecnologias digitais e dos Ambientes Educativos Inovadores, pretende abrir um espaço de debate e reflexão que colabore para a reconstrução de novos cenários para ensinar e aprender na escola atual. Neste contexto, visa repensar o papel da pedagogia, da tecnologia e do design em contexto educativo, sempre a partir da importância das leituras (literária e científica) na escola.
O evento marcará também o lançamento da construção da primeira “Sala de Leituras do Futuro”, que terá lugar nas instalações da Escola Básica e Secundária de Vila Cova. Este projeto apoiado pela Câmara Municipal, é financiado pela Fundação Montepio, no âmbito do concurso que a referida escola venceu no presente ano.
Programa e inscrições AQUI.
sexta-feira, 20 de maio de 2016
domingo, 15 de maio de 2016
sábado, 14 de maio de 2016
sexta-feira, 13 de maio de 2016
Não há espaço para a mediocridade na literatura / I dread mediocrity in books
"Most of all I dread mediocrity: a book should either be very good or very bad, but, for its life, not mediocre. Mediocrity is something quite unpardonable."
Fyodor Dostoevsky, de uma carta para Apollon Nikolayevitch Maikov
sábado, 7 de maio de 2016
"Ela era fascinada pelas palavras" / "She was fascinated with words"
Maurice Millière (1871–1946)
sexta-feira, 6 de maio de 2016
A magia de abrir um livro / "I Opened a Book"
"The Jungle Book", Christian Schloe
"I Opened a Book"
By Julia Donaldson
By Julia Donaldson
I opened a book and in I strode.
Now nobody can find me.
I’ve left my chair, my house, my road,
My town and my world behind me.
Now nobody can find me.
I’ve left my chair, my house, my road,
My town and my world behind me.
I’m wearing the cloak, I’ve slipped on the ring,
I’ve swallowed the magic potion.
I’ve fought with a dragon, dined with a king
And dived in a bottomless ocean.
I’ve swallowed the magic potion.
I’ve fought with a dragon, dined with a king
And dived in a bottomless ocean.
I opened a book and made some friends.
I shared their tears and laughter
And followed their road with its bumps and bends
To the happily ever after.
I shared their tears and laughter
And followed their road with its bumps and bends
To the happily ever after.
I finished my book and out I came.
The cloak can no longer hide me.
My chair and my house are just the same,
But I have a book inside me.
The cloak can no longer hide me.
My chair and my house are just the same,
But I have a book inside me.
quinta-feira, 5 de maio de 2016
quarta-feira, 4 de maio de 2016
"A Missão social da Biblioteca Pública: uma visão das bibliotecas públicas portuguesas a partir do Facebook": tese de doutoramento de Luísa Alvim disponível on-line
Tatsuro Kiuchi
A tese de doutoramento "A missão social da Biblioteca Pública: uma visão das bibliotecas públicas portuguesas a partir do Facebook", de Luísa Alvim, está disponível para download gratuito AQUI.
"O presente estudo tem como objetivo geral contribuir para uma reflexão sobre o tema Missão social da Biblioteca Pública, analisando as perceções dos responsáveis das bibliotecas públicas portuguesas e investigando como estes profissionais trabalham o tema nas páginas/perfis no Facebook das bibliotecas. Utilizaram-se métodos mistos integrando duas abordagens, a qualitativa e a quantitativa, para proporcionar uma visão mais ampla do caso em estudo, empregando as técnicas de recolha de dados, o inquérito por questionário e a observação de páginas/perfis e comentários do Facebook e dos sítios Web das bibliotecas públicas. A partir da revisão da literatura, estabeleceram-se dois modelos de análise de conteúdo, um dedicado aos conteúdos da Web 2.0 e outro modelo dedicado às facetas da missão social da biblioteca pública. Recolheram-se as perceções dos responsáveis das bibliotecas públicas portuguesas sobre o papel do Facebook e o cumprimento da missão social da biblioteca pública na rede social. Os resultados evidenciam uma grande disparidade de perceções sobre as oportunidades da Web 2.0 para a biblioteca, sobre a missão social da biblioteca pública no Facebook, os públicos a atingir e evidenciam também que os responsáveis não atribuem significado relevante à missão social. De forma generalizada, a observação revelou que as bibliotecas publicam nas páginas/perfis do Facebook e nos sítios Web raramente ações de caráter social. Conclui-se que as bibliotecas, os profissionais, os responsáveis, os organismos que as tutelam não expressam com veemência, nos espaços virtuais públicos, a visão e a missão em geral destas instituições e particularmente a missão social. Alguns dos contributos deste trabalho são o desenvolvimento de um corpus teórico e reflexivo sobre a Missão Social da Biblioteca Pública, a apresentação de propostas de modelos de análise de conteúdo para observação de facetas sociais nas páginas/perfis do Facebook, com indicadores e métricas para obtenção de taxas de sociabilidade da biblioteca e da comunidade em linha e a avaliação das práticas das bibliotecas públicas portuguesas no Facebook face à missão social. Para o bom exercício desta missão apontam-se propostas de orientação para as entidades estatais que tutelam as bibliotecas públicas, para as instituições de ensino superior com oferta formativa na área da Ciência da Informação, para a comunidade profissional e para as associações profissionais da área das bibliotecas".
sábado, 23 de abril de 2016
Hoje comemora-se o Dia Mundial do Livro
LUPA Design
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O Dia Mundial do Livro é comemorado, desde 1996 e por decisão da UNESCO, a 23 de abril.
Esta data foi escolhida com base na lenda de S. Jorge e o Dragão, adaptada para honrar a velha tradição catalã segundo a qual, neste dia, os cavaleiros oferecem às suas damas uma rosa vermelha de S. Jorge (Sant Jordi) e recebem, em troca, um livro, testemunho das aventuras do heroico cavaleiro.
Em simultâneo, é prestada homenagem à obra de grandes escritores, como Shakespeare e Cervantes, falecidos em 1616, exatamente em abril.
Também a Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, em 2016, presta homenagem a alguns autores portugueses, cujos centenários de nascimento ou morte se assinalam: Bocage (as comemorações dos 250 anos do nascimento decorrem de setembro 2015 a setembro de 2016); Mário de Sá Carneiro (1890-1916 – centenário da morte); Mário Dionísio (1916-1993) e Vergílio Ferreira (1916-1996), autores de que se assinala o centenário do nascimento.
Fonte:DGLAB
sexta-feira, 22 de abril de 2016
"Quem lê livros não só é mais inteligente, é também a melhor pessoa para você se apaixonar"
Por Revista Pazes -
Você provavelmente já conhece os inúmeros benefícios que a leitura pode trazer para sua vida.
Mas e se eu te falar que a experiência é tão significante que podemos
até mesmo comprovar, com argumentos científicos, que as pessoas que
leem são as melhores pessoas para se viver uma paixão?
Foi exatamente isso que a escritora norte-americana Lauren Martin fez ao publicar, no site do Elite Daily, o seu artigo “Why Readers, Scientifically, Are The Best People To Fall In Love With” (em português: “Por que os leitores, cientificamente, são as melhores pessoas para se apaixonar”).
Para te ajudar a entender o porquê dessa afirmação, separamos os melhores trechos do texto de Lauren. Confira.
“Você já leu um livro até o fim? Realmente até o fim? Capa a
capa. Fechou-o com aquela sensação de voltar lentamente à realidade?
Você suspira fundo e fica ali, sentado. Com o livro em suas mãos…”
“É como se apaixonar por um estranho que você nunca verá
novamente. O desejo e a tristeza que sente por um caso de amor que
acabou dói, mas ao mesmo tempo você se sente saciado, cheio pela
experiência, a conexão, a variedade que surge após digerir outra alma.
Você se sente alimentado, mesmo que por pouco tempo.”
É assim, comparando as emoções vividas em uma paixão com o processo
de terminar um livro, que a autora começa a explicação para a sua
afirmação. Mas a “teoria” também tem base científica.
De acordo com estudos de 2006 e 2009, publicados por Raymond Mar,
psicólogo da Universidade de York, do Canadá, e por Keith Oatley,
professor de psicologia cognitiva na Universidade de Toronto, quem é um
profundo leitor de ficção possui maior capacidade de empatia e de
desenvolver a chamada “teoria da mente”, que é a habilidade de aceitar
outras opiniões, crenças e interesses, além de seus próprios.
Ou seja, os leitores são mais capazes de considerar outras ideias sem
rejeitá-las e, mesmo assim, manter as suas próprias. Para ter essa
característica pessoal, a autora acredita que é preciso ter uma boa
“diversidade de experiências sociais” e a falta dela é provavelmente a
razão para seu “último companheiro ser tão narcisista”.
A explicação para o leitor ser mais desenvolvido na “teoria da mente”
é a de que ele vivencia experiências através de outros olhos, vendo o
mundo de outra perspectiva e absorvendo sabedoria de cada uma delas.
“Eles aprenderam como é ser uma mulher, e um homem. Eles sabem como é ver alguém sofrer. Eles são maduros, sábios.”
Para reforçar a teoria, a autora ainda se baseia em um estudo de
2010, também de Raymond Mar, que diz que quanto mais histórias foram
lidas para uma criança, mais aguçada é a “teoria da mente” dela. A
criança torna-se mais sábia, adaptável e compreensiva.
“Porque ler é algo que molda você e aumenta o seu caráter. Cada
triunfo, lição e momento crucial da vida do protagonista se tornam seu.”
Confira os principais argumentos
“Eles não vão falar com você. Eles vão conversar com você.”
Segundo o artigo, os leitores escreverão cartas e versos. São
eloquentes no bom sentido, não dão respostas simples, mas apresentam
pensamentos profundos e teorias intensas, encantando com o conhecimento
de palavras e ideias.
“Faça um favor a si mesmo e namore alguém que realmente saiba como usar a língua.”
“Eles não apenas te entendem. Eles te compreendem.”
De acordo com o psicólogo David Comer Kidd, da New School for Social
Research, “O que os autores fazem de maravilhoso é transformar você no
escritor. Na literatura de ficção, a incompletude das personagens faz
com que sua mente tente entender a mente de outros”. Com isso, os
leitores desenvolvem a capacidade da empatia. Eles podem não concordar
com você, mas vão tentar ver as coisas do seu ponto de vista.
“Você deveria se apaixonar apenas por alguém que consiga ver sua
alma. Deve ser alguém que não apenas te conhece, mas que te compreenda
completamente.”
“Eles não são apenas inteligentes. São sábios.”
“Ser inteligente demais pode ser desagradável, mas ser sábio é algo cativante.”
Quem é que não gosta de ter um bate-papo inteligente e sempre
aprender alguma coisa? Se apaixonar por um leitor irá melhorar o nível
das conversas. Os leitores profundos são mais inteligentes devido ao
maior vocabulário, melhor memória e pela capacidade de detectar padrões.
“Se você namora alguém que lê, então você também viverá milhares de vidas diferentes.”
Espécie em extinção
Se você gostou dos argumentos e já não vê a hora de procurar sua
paixão, é preciso se apressar, pois a autora acredita que os chamados
“profundos leitores” estão acabando no mundo, já que as pessoas muitas
vezes apenas “passam o olho” ao invés de realmente ler.
“Se você ainda procura por alguém que te complete, que preencha o
vazio em seu coração solitário, procure por essa raça que está se
extinguindo. Você os encontrará em cafetarias, parques e no metro.”
“Você os verá com mochilas, bolsas e maletas. Eles serão curiosos e
sensíveis, e você saberá nos primeiros minutos de conversa com eles.”
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