"Quarenta anos depois, a ida do homem à Lua continua a impressionar-nos: como é possível que a humanidade tenha colocado dois ou três astronautas em solo lunar, mas continue sem conseguir parar a aparentemente irreversível queda de cabelo que me vai devastando a pelagem do osso frontal? Tenho muito apreço pela investigação científica e pelo valor simbólico da ida à Lua, mas emocionar-me-ia mais se a minha testa não estivesse a ficar mais ampla. Custa a entender que se avance para a Lua antes de estarem resolvidos alguns dos mais graves problemas da Terra, no topo dos quais está a calvície, especialmente a minha. Confesso que já fui menos sensível aos problemas dos carecas, mas vou ficando cada vez mais chocado com a ida à Lua à medida a que a minha cabeça se vai assemelhando à superfície lunar.
Não sou, evidentemente, o único desiludido com a viagem que faz agora 40 anos. Muitos escritores não podem deixar de ter sentido a aventura da NASA como um cínico ataque às suas obras: desde que Neil Armstrong pôs o pé na Lua, boa parte da ficção científica deixou de ser ficção. E, até certo ponto, científica. A saga de Hans Pfaall, o herói de Edgar Allen Poe que chega à Lua a bordo de um balão de ar quente, perde impacto quando comparada com o relato real do feito de 1969. A história de Michel Ardan, que, em Da Terra à Lua, Júlio Verne projecta para a Lua com uma espécie de canhão, deixa de ser fantástica se cotejada com a história de Neil Armstrong e seus colegas. E a proeza do Cyrano de Bergerac de Edmond Rostand, que diz ter saído da Terra após um banho de mar sob a luz da Lua cheia, a qual teria atraído a água dos seus cabelos como faz com as marés, só mantém algum do seu interesse porquanto mistura a ida à Lua com o tema do cabelo - sugerindo, aliás, que a viagem lunar está vedada aos carecas, o que uma vez mais se lamenta".
Excerto de mais uma crónica, a desta semana, de Ricardo Araújo Pereira para a Revista Visão. Na íntegra aqui. Este RAP tem sempre piada!
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