"Sou apenas eu que o digo, mas estou convencido de que a pior coisa que se poderá dizer de um escritor é que não tem mundo. Já li muitos livros assim: a linguagem é perfeita (por vezes completamente inovadora), as metáforas são precisas, há silepses voluntárias, adjectivos inesperados, comparações maravilhosas, e personagens que racionalizam o que não deveria poder ser racionalizado; fazem-no com brilhantismo, tal como o autor brilhantemente ordena as palavras no papel, constituindo uma mónada quase perfeita. E, depois, o livro é igual a nada. Quero dizer: eu conheço razoavelmente bem o Tratado Lógico-Filosófico de Wittgenstein , e asseguro-vos de que não é propriamente divertido ou emocionante; isto é, não constitui material de romance. E, no entanto, sempre que abro um livro, nos últimos tempos, onde diz na capa em letras maiúsculas: Romance, parece que encontro mais um escritor determinado a abrir outro guichet vanguardista pós-moderno, determinado a ser (muito) mais inteligente do que o leitor, a querer demonstrar tudo sem nos mostrar nada. E torno a fechá-lo imediatamente, porque lições de filosofia disfarçadas de literatura não me interessam, da mesma maneira que não me interessa filosofia de pacotilha disfarçada de romance. Por que é que escrevo isto? Ah, porque cheguei à conclusão que estes são os escritores sem mundo, que resolveram ser génios à força toda sem terem a incómoda necessidade de sair do quarto e, portanto, parece-me que andam refugiados numa espécie de eterno retorno ao mesmo tema, ao mesmo universo, à mesma lengalenga, que é o que acontece quando se passa a vida a olhar para dentro e não para fora. Por cá sofremos bastante deste mal, e incluo-me no lote dos cobardes e dos reticentes. Recentemente, porém (e tarde como tudo) descobri Roberto Bolaño e estou apaixonado".
Excerto de um excelente texto de João Tordo sobre o escritor chileno Roberto Bolaño, cujo 2666 está prestes a ser publicado no nosso país, pela Quetzal. Pode ler o resto aqui.
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