Como alguém que chega com uma carta importante ao ghichet depois das horas regulamentares: o ghichet já está fechado.
Como alguém que quer advertir a cidade duma inundação: mas fala uma outra língua. Não o compreendem.
Como um mendigo que pela quinta vez bate a uma porta onde já recebeu esmola quatro vezes: ele tem fome pela quinta vez.
Como alguém cujo sangue lhe corre duma ferida e espera pelo médico: o sangue continua a correr.
Assim vimos nós e relatamos que em nós se cometem crimes.
Quando se relatou pela primeira vez que os nossos amigos eram abatidos pouco a pouco, houve um grito de horror. Então foram abatidos cem. Mas quando foram abatidos mil e a matança não tinha fim, espalhou-se o silêncio.
Quando o crime vem como a chuva cai, então já ninguém grita: alto!
Quando os delitos se amontoam, tornam-se invisíveis.
Quando as dores se tornam insuportáveis, já se não ouvem os gritos.
Também os gritos caem como a chuva de Verão.
Bertold Brecht, 1935
(in Poemas - Trad. Paulo Quintela)
Via Bruaá
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