"A menina Julieta fechou a porta como era hábito, mas fechou-a consigo dentro da biblioteca, ela e o rapaz.
Perguntou-lhe o nome, porque ela não era dessas que nem sabia o nome dos rapazes com quem andava, repetiu o nome Armindo e agarrou-se-lhe ao pescoço arrastando-o para o depósito, para um dos corredores escuros, afastado da janela do móvel do arquivo. Ali, encostada ela à prateleira das letras A, B e C e ele de costas para o J, o L e o M, pois a biblioteca não tinha livros de autores começados por K, o rapaz e a menina Julieta possuíram-se um ao outro em igualdade republicana, ais mudos e bafos quentes quantificando e qualificando a intensidade do encontro.
O rapaz queria mais, o que era compreensível dada a perfeição da troca dos corpos um no outro. Ela, com um sorriso a chamar-lhe maroto e a si mesma marota, levou a mão atrás da cabeça, pegou num livro (eram os sonetos de Camões) e deu-lhe com ele ao de leve no cocuruto, enquanto o puxava para cima da mesa de apoio do depósito, onde apenas uma Lírica de Garrett esperava que a menina Julieta a devolvesse à prateleira do A, de Almeida. Ali, deitada na mesa, de pernas ao alto apoiadas no BA início do B e a Lírica a servir-lhe de almofada para a cabeça, o rapaz penetrou a menina Julieta e a menina Julieta penetrou o rapaz, se é que a imagem se pode usar só para que conste que aqueles dois tentavam com igual empenho, naquela alegria breve, ser apenas um. "
Este excerto é de um conto de Eduardo Cintra Torres, "A Biblioteca", publicado no site da Revista Ficções. Leia aqui o conto completo. Vale a pena!
A Ficções apresenta a primeira BIBLIOTECA ONLINE DO CONTO com o objectivo de tornar acessíveis a todos os leitores de língua portuguesa os textos integrais de alguns dos contos mais notáveis do século XIX português.
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