quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Mais uma leitora de Jean Honore Fragonard

 

Publiquei outra leitora de Fragonard AQUI.

O "Natal" por Manuel Alegre



Natal

Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.



Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.




Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.




Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.




Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.






Manuel Alegre

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

"Dia de Natal" por António Gedeão: pleno de crítica e ironia

Brian Fairrington (Cagle Cartoons)



Dia de Natal




Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.



É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.




Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.




De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)




Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.




Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.




Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.




A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.




Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.




Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.




Ah!!!!!!!!!!



Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.




Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.




Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:


Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.




Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.




Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

António Gedeão

Uma canção que nos toca, comove...

Damien Rice canta "The Blower's Daughter": "I can´t take my mind off you"...





A jovem Carolina Deslandes, concorrente da presente edição de Ídolos, cantou esta canção muito bem:

O valor da imaginação / Imagination is a very valuable thing

Unleashed Imagination, de Enkel Dika


Because,” explained Mary Rommely simply, “the child must have a valuable thing which is called imagination. The child must have a secret world in which things that never were. It is necessary that she believe. She must start out by believing in things not of the world. Then when the world becomes too ugly for living in, the child can reach back and live in her imagination. I, myself, even in this day and at my age, have great need of recalling the miraculous lives of the Saints and the great miracles that have come to pass on earth. Only by having these things in my mind can I live beyond what I have to live for.

Betty Smith, A Tree Grows in Brooklyn


segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

"Compras de Natal", por Cecília Meireles

"Christmas tree"por Armene no DeviantArt



A cidade deseja ser diferente, escapar às suas fatalidades.

Enche-se de brilhos e cores; sinos que não tocam, balões que não sobem, anjos e santos que não se movem, estrelas que jamais estiveram no céu.

As lojas querem ser diferentes, fugir à realidade do ano inteiro: enfeitam-se com fitas e flores, neve de algodão de vidro, fios de ouro e prata, cetins, luzes, todas as coisas que possam representar beleza e excelência.

Tudo isso para celebrar um Meninozinho envolto em pobres panos, deitado numas palhas, há cerca de dois mil anos, num abrigo de animais, em Belém.

Todos vamos comprar presentes para os amigos e parentes, grandes e pequenos, e gastaremos, nessa dedicação sublime, até o último centavo, o que hoje em dia quer dizer a última nota de cem cruzeiros, pois, na loucura do regozijo unânime, nem um prendedor de roupa na corda pode custar menos do que isso.


Grandes e pequenos, parentes e amigos são todos de gosto bizarro e extremamente suscetíveis. Também eles conhecem todas as lojas e seus preços — e, nestes dias, a arte de comprar se reveste de exigências particularmente difíceis. Não poderemos adquirir a primeira coisa que se ofereça à nossa vista: seria uma vulgaridade. Teremos de descobrir o imprevisto, o incognoscível, o transcendente. Não devemos também oferecer nada de essencialmente necessário ou útil, pois a graça destes presentes parece consistir na sua desnecessidade e inutilidade. Ninguém oferecerá, por exemplo, um quilo (ou mesmo um saco) de arroz ou feijão para a insidiosa fome que se alastra por estes nossos campos de batalha; ninguém ousará comprar uma boa caixa de sabonetes desodorantes para o suor da testa com que — especialmente neste verão — teremos de conquistar o pão de cada dia. Não: presente é presente, isto é, um objeto extremamente raro e caro, que não sirva a bem dizer para coisa alguma.

Por isso é que os lojistas, num louvável esforço de imaginação, organizam suas sugestões para os compradores, valendo-se de recursos que são a própria imagem da ilusão. Numa grande caixa de plástico transparente (que não serve para nada), repleta de fitas de papel celofane (que para nada servem), coloca-se um sabonete em forma de flor (que nem se possa guardar como flor nem usar como sabonete), e cobra-se pelo adorável conjunto o preço de uma cesta de rosas. Todos ficamos extremamente felizes!

São as cestinhas forradas de seda, as caixas transparentes os estojos, os papéis de embrulho com desenhos inesperados, os barbantes, atilhos, fitas, o que na verdade oferecemos aos parentes e amigos. Pagamos por essa graça delicada da ilusão. E logo tudo se esvai, por entre sorrisos e alegrias. Durável — apenas o Meninozinho nas suas palhas, a olhar para este mundo.


Texto extraído do livro "Quatro Vozes", Editora Record - Rio de Janeiro, 1998, pág. 80.

Alicia Keys canta "O Holy Night"

 

Maria Bethânia canta "Boas Festas"

sábado, 11 de dezembro de 2010

"Ladainha dos póstumos Natais" por David Mourão-Ferreira

"Where Santa Claus lives", 1900

Ladainha dos póstumos Natais


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito


David Mourão-Ferreira, in "Cancioneiro de Natal"

A história do nascimento do Menino Jesus através das redes sociais, da web e do mobile

Como as Redes Sociais, a web e o mobile contam a História da Natividade.



O Natal através do Facebook, Twitter, YouTube, Google, Wikipedia, Google Maps, GMail, Foursquare, Amazon...


Os tempos mudam, o sentimento continua o mesmo.

Extremamente criativo!!!





De http://www.excentric.pt/

http://www.facebook.com/ExcentricPT

Ainda as Destiny's Child que cantam o clássico "Rudolph the Red-Nosed Reindeer"

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