"Berrei para o meu compadre: 'Fujam!'. Mas já vinham as pedras a saltar" é o título de um artigo publicado hoje no jornal Público, escrito pelo jornalista Paulo Moura, sobre o momento trágico que se vive na Madeira. O que chama a atenção para esta peça jornalística, entre muitas outras que hoje foram publicadas sobre este mesmo assunto, é que quem o lê parece estar perante um texto literário. A qualidade da escrita é notável. Os intervenientes madeirenses são introduzidos no texto à semelhança de personagens, com acções e histórias de vida. Aqui fica um excerto:
"Na cidade, a chuva parou e as pessoas vieram ao centro ver os estragos, como se fosse um espectáculo que um dia descreverão aos netos. Há muita gente, mas um estranho silêncio. Há zonas alagadas e outras em que a lama solidificou, deixando automóveis incrustados até ao tejadilho à maneira dos fósseis, em posições desgovernadas de quem tivesse participado numa dança louca. Dir-se-ia que andou tudo a voar.
Nas ribeiras ainda corre uma água castanha, rápida e rumorejante. Um som estridente, semelhante a uma gargalhada. Ao fundo, o mar espera, cúmplice. De certos sítios, agora calmos, ninguém se aproxima, com medo, como se ali tivesse rugido uma fera.
O Largo do Pelourinho ainda está alagado e da esplanada de um café apenas emergem os tampos das mesas, onde foi servido um sinistro repasto de pedras e lama. A um nível mais elevado fica a Praça da Autonomia, obra de regime, cercada de água por todos os lados.