"O dinheiro é belo, porque é a libertação"
Fernando Pessoa
E não deveriam as férias ser um período por excelência de libertação? Mas como gozar as merecidas férias em tempos de furiosa crise?
"Esta é a altura do ano em que os portugueses, depois de um ano de trabalho (os que ainda têm trabalho), pegam nas suas economias (aqueles que não tinham o dinheiro em bancos que faliram), e vão agora de férias (aqueles que podem dar-se ao luxo de ter férias). E vão, de certeza, com a sensação de que deixam o País arrumado. O Presidente da República diz que a situação é insustentável. Um antigo Presidente e um candidato à Presidência dizem que ele não pode dizer que a situação é insustentável. O primeiro-ministro diz que estamos muito bem. A oposição diz que ele não pode dizer que estamos muito bem. Portanto, podemos ir de férias descansados. E esclarecidos.
A primeira tarefa do cidadão que começa a gozar o merecido descanso é pagar a não menos merecida sobretaxa de IRS sobre o subsídio de férias. O cidadão sabe, porque já lho disseram, que andou a viver acima das suas possibilidades, e por isso chegou a hora de pagar. O cidadão, que tem a mania das grandezas, pensou que podia viver à tripa-forra, num desses países modernos que premeiam os administradores das suas empresas com bónus milionários. Não, caro cidadão. Tudo isso lhe deu status e qualidade de vida, é indesmentível. Mas não é gratuito. Quem quer viver numa sociedade assim, paga.
A segunda tarefa é escolher um destino de férias. Tanto os destinos mais baratos, como uma semana com tudo pago nas Caraíbas, como os mais caros, como um fim-de-semana com meia pensão no Algarve, parecem excessivos para o seu orçamento. Uma hipótese é meter a família no carro e, como recomendou Cavaco Silva, ir para fora cá dentro. Uma opção que traz alguns problemas. Primeiro, há que meter gasolina, o que não é barato. Depois, talvez seja boa ideia comprar uma água e um papo-seco para a viagem. Mas com cautela, na medida em que o IVA sobre os bens essenciais subiu um por cento. Os milionários que tiverem dinheiro para depósito cheio e farnel poderão fazer-se à estrada, embora conscientes de que mais cedo ou mais tarde vão passar numa SCUT, daquelas que não eram pagas mas entretanto passaram a ser. Antes disso, num semáforo, ainda são capazes de topar com o ministro das Finanças com um chapéu virado ao contrário a pedir nem que seja a moeda mais pequena, em busca de receitas extraordinárias. Em princípio, depois de percorrer 50 quilómetros, o cidadão já não tem dinheiro e tem de voltar para casa. Essa é a terceira tarefa. Boa sorte".
Crónica de Ricardo Araújo Pereira para a Visão em 1 de Julho 2010