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quarta-feira, 15 de setembro de 2010

"Este romance é como tu. Gostava de ser outros..."

s.id.

“But everyone regrets being unable to live lives other than his own; you too would like to live all your unrealized potentialities, all your possible lives. This novel is like you. It would like to be other novels, those it might have been.”

Milan Kundera, Life is Elsewhere

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Se Dorian Gray vivesse num apartamento de decoração moderna...


...o seu retrato seria admirado como arte moderna, talvez abstracta, grotesco chic...


Sim, ainda ando às voltas com O Retrato de Dorian Gray, de Óscar Wilde. And loving it!

terça-feira, 24 de agosto de 2010

A ler agora...algo deliciosamente pernicioso.

O Retrato de Dorian Gray, de Óscar Wilde.

Aqui o cartaz do filme sobre o livro que vale a pena ver.

Ainda não tinha lido nada de Óscar Wilde e a obra que mais me tentava era esta mas o romance gótico consegue ser um bocado penoso, deprimente...surpreende-me no entanto porque este senhor escreve realmente com uma vivacidade, uma ironia, um humor assente no sarcasmo e no paradoxo que é extremamente apelativo. A argumentação imoral da mais imoral das personagens chega a ser deliciosa! :)

Alguns curtos exemplos:

1. Quando eu era jovem, pensava que o dinheiro era a coisa mais importante do mundo. Hoje, tenho certeza.

2. A cada bela impressão que causamos, conquistamos um inimigo. Para ser popular é indispensável ser medíocre.

3. O pessimista é uma pessoa que, podendo escolher entre dois males, prefere ambos.

4. Pouca sinceridade é uma coisa perigosa, e muita sinceridade é absolutamente fatal.

5. Perversidade é um mito inventado por gente boa para explicar o que os outros têm de curiosamente atractivo.

6. Toda a gente é capaz de sentir os sofrimentos de um amigo. Ver com agrado os seus êxitos exige uma natureza muito delicada.

Todo o livro está repleto de pérolas destas. Não direi de sabedoria, algumas são perfeitamente perniciosas e deliciosamente perversas.


segunda-feira, 9 de agosto de 2010

"As mulheres são um cheiro. É pelo cheiro que as catalogamos no íntimo arquivo dos desejos"







«-...As mulheres são um cheiro. É pelo cheiro que as catalogamos no íntimo arquivo dos desejos. A que cheira uma mulher? -- perguntou-me um dia a Diana. Uma rosa cheira a rosa. Um cravo cheira a cravo. Não sei a que cheira uma orquídea. Mas sei que todas as orquídeas cheiram igual, respondi. Já as mulheres, nenhuma repete o cheiro. As que nos refrescam têm cheiro de rio, as que nos enchem têm cheiro de mar.



Todas as mulheres têm um cheiro húmido. Como a boca. Como o sexo. Só gostamos de uma mulher quando gostamos do seu cheiro. Quando tudo nos leva a bebe-la, como um chá quente, excitante, aromático. Se não gostarmos do seu cheiro não conseguimos ama-la, nem na pele nem na alma. Podemos ser amigos, companheiros, nunca amantes. Amar é beber um cheiro. É transporta-lo para dentro de nós. Amamos uma mulher quando cheiramos ao seu cheiro...»

João Morgado, Diário dos Infiéis, Oficina do Livro, 2010


Voz: Rui Almeida.
Fotos: GD Fotografias (Brasil)
Produção de vídeo: Francisco Cardona.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A minha rendição a um romance de guerra

"Novels give you the matrix of emotions, give you the flavour of a time in a way formal history cannot."
Doris Lessing





Memória das Estrelas sem Brilho de José Leon Machado é um bom exemplo de como, ao embrenharmo-nos num romance, ao deixarmo-nos envolver emocionalmente pelas personagens, ao partilharmos as vivências do protagonista, entramos pelas portas do tempo numa época remota e enriquecemos o nosso conhecimento da História do nosso país:
 
"Na Memória das Estrelas sem Brilho, conta-se a história de um estudante universitário que é obrigado a interromper o curso para comandar um grupo de expedicionários que o governo português em 1917 enviou para as trincheiras da Flandres. A sua trajectória e a dos homens que comanda, nas pequenas e grandes misérias de que foram vítimas e na ligação ao que deixaram e ao que perderam, resulta num retrato emocionante e autêntico de um dos períodos mais conturbados da sociedade portuguesa.



Romance de guerra, mas também romance de amor, Memória das Estrelas sem Brilho relata a tão inútil quanto obstinada busca da paz e da felicidade através de um caminho de escombros e flores cortadas, capacho do tempo e dos seus caprichos".

(Texto da contra-capa)


Eu não sou fã de romances de guerra. As guerras implicam uma realidade grotesca, ignorante, gananciosa e ridícula. São uma manifestação de como a natureza humana pode tropeçar no défice de inteligência e cair na auto-destruição. Daí o facto de ter começado a ler este romance com algumas reticências.

No entanto, apresento aqui a minha rendição: à medida que a prosa vai ganhando ritmo, que as personagens se vão tornando familiares, que o protagonista e narrador Luís Vasques conquista a empatia do leitor (a opinião deste Alferes sobre a guerra acaba por ser essencialmente a minha) a leitura flui com uma facilidade telepática.

Além do mais, este romance é muito mais do que apenas de guerra. Traça um retrato, na minha humilde opinião fiel, da sociedade portuguesa, ao longo do Século XX (acompanhando o tempo de vida da personagem principal) com especial ênfase na participação portuguesa na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Dá conta de uma relação de amizade vitalícia entre dois homens de natureza muito diferente. Partilha as deliciosas inconfidências da vida íntima, dos amores, das aventuras amorosas e sexuais das personagens (principalmente do Dr. Luís Vasques que era um grande marialva) :)))).

Ilustração Portugueza, No. 543, July 17 1916-22


Afirma o crítico Milton Azevedo que, «além de seu valor literário como narrativa de ficção propriamente dita, constatável à primeira leitura, o romance tem grande interesse como retrato da sociedade portuguesa, que forma o background da narrativa. O narrador, homem de seu tempo (ou tempos) e classe social, tem uma visão tão nítida da sua sociedade quanto é possível esperar de alguém que nunca pôde sair dela para observá-la de fora. É, portanto, uma visão naïve, informada apenas por elementos colhidos dentro daquela sociedade. Mas é uma visão arguta, porque o narrador é um indivíduo inteligente e lúcido. E complementada, é claro, pela visão, indirectamente transmitida ao leitor, do Rato, que é um verdadeiro co-protagonista (e não apenas um sidekick) - um pouco, mutatis mudantis, como Sancho Pança, sem o qual o Quixote ficaria impensável.»


Gosto desta analogia entre as principais personagens masculinas deste romance e D. Quixote e Sancho Pança. Adequada.



 
Ilustração Portugueza, No. 485, June 7 1915 - 17




"Não se pode falar da guerra a quem nunca a viveu. Po r mais pormenores que se contem do horror por que passámos, o que escuta nunca o poderá compreender inteiramente. Alguns fazem até um ar de incredulidade, como se não fossem possíveis tais atrocidades. Que exageramos para nos mostrarmos valentes. Que aquilo foi uma peluda, um passeio à França pago pelo governo. Só podemos partilhar o horror com alguém que também lá esteve e viu o sangue das feridas, e ouviu os gritos dos moribundos, e enterrou a cabeça na lama para escapar aos estilhaços dos obuses e dos morteiros, que sentiu o cheiro a gás, que viu pedaços de seres humanos espalhados pelo chão e ratos a passear por cima. Por mais que deseje esquecer, é o cheiro da trincheira que me perpassa pelo nariz quando, depois da chuva, dou um passeio pelo campo". (p. 25)







"Às vezes, ponho-me a pensar que o nosso esforço na guerra foi em vão. Que os milhões de mortos de um lado e do outro entre 1914 e 1918 não poderão nunca ser justificados; que a perda da inocência e da energia da juventude dos que voltaram não passou de um absoluto desperdício. O mundo, de facto, não ficou melhor. Muitos pensavam que aquela seria a última de todas as guerras e que depois o mundo viveria para sempre em paz. Porque o horror foi de tal ordem, que nenhuma nação teria a partir daí coragem para iniciar um novo conflito. Vã ilusão". (p. 28)











"A minha missão no regimento em Braga era a de preparar um pelotão de trinta recrutas para partir para a Flandres quando o comando e, antes dele, o governo, assim o determinassem. (...) Apresentaram-me trinta homens desenraizados das suas aldeias minhotas. Havia apenas três que sabiam ler e desses apenas um sabia escrever. Poucos sabiam o nome do Presidente da República e a maior parte pensava que D. Manuel II ainda era o rei. Não faziam a mínima ideia onde era a França e queriam voltar quanto antes para as suas terras, onde deixaram a família e os milheirais. Não queriam, como chegou a escrever o General Gomes da Costa mais tarde, «intervir numa guerra cujas causas ignoravam.» Este sentimento não era apenas dos recrutas. Era um sentimento generalizado em todo o exército. Havia um ou outro oficial que, ou por estupidez patriótica, ou por interesses de carreira, ou porque simplesmente era filiado nalgum dos partidos republicanos, tentava alentar as tropas". (p. 37)






"A instrução com o armamento foi o mais problemático. O quartel dispunha de espingardas do século passado, enormes e pesadas, muitas delas de carregar pela boca e quase nenhuma a funcionar. Se funcionassem, não havia munições para o tiro ao alvo. Por isso, andávamos com eles a correr na mata de Montélios a apontar ao inimigo e a simular o tiro com a boca: Pum, pum. O sargento, que tinha passado uma temporada em Moçambique e assistiu a fogo real, explicava indignado: – É prás, prás, e não pum, pum, seus nabos". (p. 39)








Pode fazer download das primeiras páginas deste romance AQUI.


Imagens da lllustração portugueza retiradas DAQUI.


As últimas quatro imagens integram a Exposição Viva República 1910-2010 AQUI.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Jodi Picoult escolhe cinco romances que considera marcantes


The best-selling writer handpicks five 20th-century novels that provoke, haunt, enchant, and upend her thinking (in the best way possible).

I think we have stories because they help us understand who we are. But there's a tendency to assume that a story must be ingested in a certain way, that it must mean one thing. So readers are always trying to ferret out the truth. I want to argue that this idea is a raging and utter lie. The reader brings as much to the book as the writer does: You're bringing your past, you're bringing your thoughts, you're bringing your future. It's my job as a writer to tell you a story that's going to take you away from whatever you're doing—your laundry, your kids, whatever—but that, to me, is the least important part. When I sit down to write a book, my goal is to make you ask yourself, "Why are my opinions what they are?" I'm not going to make you change them necessarily. You might if I've done a good job, but at the very least, you're going to ask yourself where you stand on a given issue. To me, the mark of a great book is that it can move a variety of people, even though each person is connecting in a different way. The purpose of a story is to be a crowbar that slides under your skin and, with luck, cracks your mind wide open. 


E os cinco eleitos de Jodi Picoult são:

1. The Great Gatsby
By F. Scott Fitzgerald

2.  Turtle Moon
By Alice Hoffman

3.  Out of Africa
By Isak Dinesen

4. First Light
By Charles Baxter

5. Life of Pi
By Yann Martel


sábado, 17 de julho de 2010

Saiba como Saramago escreveu O Ano da Morte de Ricardo Reis

Em 1998, José Saramago entregou à Biblioteca Nacional um conjunto documental que incluia manuscritos de algumas das suas obras, incluíndo O ano da morte de Ricardo Reis (editado em 1984) que "quer pela importância do livro no contexto da produção literária saramaguiana, quer porque os materiais preparatórios, incluindo uma agenda de 1983 adaptada ao ano de 1936, permitem analisar a metodologia adoptada na elaboração dos seus romances, bem como as correcções e aperfeiçoamentos que introduzia nos dactiloscritos, ao tempo em que ainda utilizava máquina de escrever".

Sobre a agenda cito a referência bibliográfica da fantástica agenda:

Saramago, José, 1922-



[O ano da morte de Ricardo Reis : materiais preparatórios : agenda / José Saramago].-[1983].-[271] p. em 142 f. ; 21 x 14,4 cm


Nota(s): Autógrafo. - Agenda azul, de 1983, de capa dura, escrita a tinta azul, com riscados e sublinhados a marcador verde. Os dias da semana estão emendados pelo próprio autor, fazendo-a corresponder a uma agenda de 1936. Contém anotações diárias retiradas da leitura da imprensa da época, sobre a vida quotidiana e política : boletins meteorológicos, vencimentos de escriturários ou contínuos, a falta de carne em Lisboa, nomes de sabonetes e de produtos de cosmética, falecimentos de figuras da cultura portuguesa ou estrangeira, espectáculos de teatro ou musicais, com locais e preços, numerosas referências aos principais acontecimentos históricos ocorridos em Portugal, Espanha e também na restante Europa durante o ano conturbado de 1936, período em que decorre a acção do romance. A agenda tem junto 1 folha solta, pautada, com um esboço da Península Ibérica e algumas notas, bem como os duplicados de 4 senhas de leitura da Biblioteca Nacional, requisitando o autor para consulta, em Janeiro e Outubro de 1983, os periódicos «Diário de Notícias», «O Século» e «Ilustração», dos anos de 1935 e 1936.


BNP Esp. N45/6

O corpo documental que Saramago entregou à BN é composto por 210 documentos e  encontra-se integralmente digitalizado e disponível AQUI. Deixo também a hiperligação directa para a agenda e outros materiais preparatórios do romance O Ano da Morte de Ricardo Reis.

Um tesouro que achei através do blogue Babel/Livros do Mundo.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A razão porque gosto de romances históricos

"Novels give you the matrix of emotions, give you the flavour of a time in a way formal history cannot."

Doris Lessing
 
Adoro aprender História através dos romances que leio. A emoção que envolve os acontecimentos compensa quaisquer imprecisões factuais que possa haver. O geral está lá e é passível de confirmação (o Google ajuda). Vivemos os ambientes da época, vibramos com  acontecimentos emocionantes e dramáticos que nos manuais de história associamos apenas a datas e a esquemáticas relações causa-efeito.

sábado, 10 de abril de 2010

Talvez todos os romances sejam assim...

"Perhaps all romance is like that; not a contract between equal parties but an explosion of dreams and desires that can find no outlet in everyday life. Only a drama will do and while the fireworks last the sky is a different colour".



Jeanette Winterson

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Uma leitura dolorosa: A Estrada de Cormac McCarthy

A-estrada-the-road-Cormac-McCarthy



Estou a ler A Estrada de Cormac McCarthy, um best-seller que ganhou o prestigiado Pulitzer Prize, um livro muito bem escrito mas penoso de se ler. Apesar de difícil, doloroso, por estarmos perante um mundo pós-apocalipse em que um cataclismo impreciso devastou a terra, o ambiente, os animais, a humanidade e a civilização, onde tudo se resume a cinzas, devastação, frio, fome e cansaço, teimamos em acompanhar um homem e o seu filho na sua viagem épica. Em direcção ao Sul, onde não sabem o que vão encontrar ou se há sequer algo digno de ser encontrado.



Porquê? Porque a relação entre pai e filho, cada um a vida um do outro, enche o livro. Ainda que os diálogos sejam curtos e até pontuais, a economia das palavras simples mas bem seleccionadas parece conseguir condensar a intensidade da relação entre os dois e de ambos perante a situação limite em que sobrevivem.



A história de uma viagem que não é assim tão improvável num futuro relativamente próximo, o que torna mais dolorosa a leitura.



O confronto com o canibalismo e a barbárie é brutal.



O filme está agora nos cinemas mas ainda não fui ver. Decerto Viggo Mortensen estará à altura desta intensa personagem.



domingo, 8 de novembro de 2009

Recordando "Os Sonhos e Outras Perigosas Embirrações" de António Venda



Encontrei hoje António Manuel Venda no Facebook . Já li  Os Sonhos e Outras Perigosas Embirrações há uns anos e adorei. Este romance publicado em 2000 pela Temas e Debates faz parte da minha prazenteira bagagem e viagem livresca.






Aqui fica um excerto:


O mais certo é nem na outra vida se conseguir ter tudo.
Isso não se sabe bem, porque de lá, da outra vida, segundo por aí se diz, só voltam os fantasmas.
- Voltam os que voltam!
- Não, voltam todos. Os fantasmas voltam todos, por isso é que são fantasmas e têm aquelas particularidades absolutamente inegáveis, ainda que um pouco ambíguas, que depois os escritores aproveitam para os romances e que em alguns casos, mais cedo ou mais tarde, acabam nos ecrãs de cinema, ou pelo menos em séries de televisão. Se os cabrões não voltassem, está-se mesmo a ver, então é que não eram fantasmas.
- ...
- Não sei se me fiz compreender?
- Claramente, senhor professor, claramente. E neste ponto deixo a conversa".



Há mais aqui. E podem visitar o blogue do autor em Floresta do Sul.


É muito bom para encher um pouco mais a nossa mala de viagens pelos livros. E os fantasmas que sempre voltam não pesam na bagagem.



quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Sobre "O Carteiro de Pablo Neruda"

-->


A vida na Ilha Negra é entediante para Mario
-->Jiménez, um jovem pescador que procura uma forma de subsistir sem ter de se dedicar à pesca, como a maior parte dos habitantes da ilha.  Mario decide então abandonar o seu ofício para se converter no carteiro da ilha, onde só Pablo Neruda recebe correio. Mario e o poeta constroem gradualmente uma relação extremamente forte. Se Mario, aos poucos, aprende a escrever sobre a profundidade dos seus sentimentos pela sua apaixonada Beatrice (é verdadeiramente delicioso o diálogo em que Neruda ensina a Mario o que é uma metáfora), Neruda ganha, em troca, um ouvinte compreensivo para as suas confissões saudosistas acerca do país. 

Entretanto, Salvador Allende ganha as eleições e as mudanças políticas sucedem-se vertiginosamente no país até acabarem por afectar gravemente as vidas dos habitantes da Ilha Negra.

A partir da
--> amizade entre o grande poeta  Pablo Neruda e o humilde carteiro que o venera e que com ele quer aprender poesia (a acção do romance passa-se por volta de 1970,  até à morte do poeta em 1973) ficamos a saber um pouco mais sobre a história do Chile e as suas tormentas políticas. 

Mas apreendemos tudo com prazer através da mestria na escrita e do humor de Antonio Skármeta. É muito, muito bom!
Deixo aqui alguns excertos do preâmbulo que abrem logo o apetite para a leitura:
"Nos gabinetes húmidos dessa redacção agonizavam todas as noites as minhas ilusões de ser escritor. Ficava até de madrugada a começar novos romances que deixava a meio do caminho desiludido com o meu talento e a minha preguiça. Outros escritores da minha idade obtinham considerável sucesso no país e até prémios no estrangeiro: o da Casa das Américas, o da Biblioteca Breve Seix-Barral, o da Sudamericana e Primera Plana. A inveja, mais que um incentivo para acabar alguma vez uma obra, funcionava em mim como um duche frio.  
Pelos dias em que cronologicamente começo esta história — que tal como os hipotéticos leitores notarão arranca entusiasta e termina sob o efeito de uma profunda depressão — o director reparou que a minha passagem pela boémia tinha aperfeiçoado perigosamente a minha palidez e decidiu encomendar-me um serviço à beira-mar, que me consentisse uma semana de sol, vento salino, marisco e peixe fresco, e de caminho importantes contactos para o meu futuro. Tratava-se de assaltar a paz marítima do poeta Pablo Neruda, e através de encontros com ele, conseguir para os depravados leitores do nosso pasquim uma coisa assim, palavras do meu director, «como que a geografia erótica do poeta». Afinal de contas, e em bom chileno, fazer-lhe falar do modo mais gráfico possível das mulheres que tinha engatado.  
(...)  
Para não tornar este prólogo eterno e evitar falsas expectativas aos meus remotos leitores, concluo esclarecendo desde já alguns pontos. Primeiro, a novela que o leitor tem nas mãos não é a que eu quis escrever na Ilha Negra nem qualquer outra que eu já tivesse começado naquela época, mas sim um produto colateral do meu .fracassado assalto jornalístico a Neruda. Segundo, apesar de vários escritores chilenos continuarem a beber pela taça do sucesso, (entre outras coisas por frases como estas, disse-me um editor) eu permaneci — e permaneço — rigorosamente inédito. Enquanto outros são mestres da narração lírica na primeira pessoa, do romance dentro do romance, da metalinguagem, da distorsão de tempos e espaços, eu continuei adscrito a metaforonas transplantadas do jornalismo, lugares comuns respigados dos crioulistas, adjectivos guinchantes mal entendidos em Borges, e sobretudo agarrado ao que um professor de literatura designou com nojo: um narrador omnisciente.  
(...)  
Sei que mais que um leitor impaciente estará a perguntar-se corno é que um mandrião acabado como eu pôde terminar este livro, por muito pequeno que sela. Uma explicação plausível é que demorei catorze anos a escrevê-lo. Se se pensar que neste lapso de tempo Vargas Llosa, por exemplo, publicou Conversação na Catedral, A tia Júlia e o Escrevedor, Pantaleão e as visitadoras e A guerra do fim do mundo, é  francamente um recorde do qual não posso orgulhar-me".
Este é o narrador que nos conduz através da história da amizade entre Mario e Neruda, e é impossível não apreciar a sua voz e a sua bem-humorada companhia.  
Verdadeiramente de-li-ci-o-so!!!

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Não era mordida por um vampiro há mais de dez anos...

... quando li Entrevista com um Vampiro, de Anne Rice.

“Antes do casamento não há dentada”

"Tudo começou com “Crepúsculo”, primeiro volume de uma saga amorosa entre uma humana e um vampiro. Quatro livros, escritos por Stephenie Meyer, para já um filme (e agora um DVD) estão a atrair os adolescentes de todo o mundo. Nesta história de vampiros não há sexo antes do casamento. É uma visão da América do pânico pós-sida tornado discurso repressivo".
 
Isabel Coutinho em Ciberescritas
 
Primeiro vi o filme em família. Gostei. Quis saber o que se passaria a seguir. Comprei O Crepúsculo - o livro, entusiasmei-me e li os outros três de seguida, no total de quatro grandes calhamaços que devorei durante estas férias de Verão.
 
A escrita não é sofisticada nem de uma simplicidade bela. Abundam as repetições. Pelo menos a edição portuguesa tem muitos erros. Esta saga está rotulada como sendo para raparigas adolescentes com hormonas aos saltos... e mesmo assim eu agarrei-me a ela e adorei!
 
Normalmente, seduzem-me os livros não tanto pelo que dizem mas pela forma como o dizem. A beleza do discurso sobrepõe-se à forma como a história se desenrola. Ao contrário do que me acontece na vida real, no mundo literário tendo a apaixonar-me mais pelas palavras do que pelas acções. :)))
 
Esta Saga Luz e Escuridão arrastou-me para dentro da sua acção criada com muita imaginação e sensibilidade e sentou-me ao lado dos seus personagens bem construídos.  
 
Mas há realmente um propósito moralizante na história. Existe um cheirinho a conto de fadas, com o atraente (mas demasiado controlador e sufocante) vampiro Edward Cullen como digno príncipe encantado, a donzela inocente permanentemente em apuros e a precisar diariamente de ser salva, dois cavalheiros apaixonados que lutam por ela (um vampiro e um lobisomem) , dicotomias entre vampiros bons e maus, uma enorme tensão sexual entre Bella e Edward apenas resolvida depois do casamento, o legítimo nascimento de uma filha culminando num final feliz  e na certeza de um amor eterno.
 
 
E não sei dizer se foi apesar disto ou por tudo isto que adorei! :)

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Melusina e as promessas que os homens não cumprem

Este excerto é do início do romance The White Queen, de Philippa Gregory. Não li este ou qualquer outro livro da autora, mas estes primeiros parágrafos chamaram-me à atenção, especialmente porque gosto da figura mitológica de Melusina. Leiam e vejam se não abre o apetite!

"In the darkness of the forest the young knight could hear the splashing of the fountain long before he could see the glimmer of moonlight reflected on the still surface. He was about to step forward, longing to dip his head, drink in the coolness, when he caught his breath at the sight of something dark, moving deep in the water. There was a greenish shadow in the sunken bowl of the fountain, something like a great fish, something like a drowned body. Then it moved and stood upright and he saw, frighteningly naked: a bathing woman. Her skin as she rose up, water coursing down her flanks, was even paler than the white marble bowl, her wet hair dark as a shadow.

She is Melusina, the water goddess, and she is found in hidden springs and waterfalls in any forest in Christendom, even in those as far away as Greece. She bathes in the Moorish fountains too. They know her by another name in the northern countries, where the lakes are glazed with ice and it crackles when she rises. A man may love her if he keeps her secret and lets her alone when she wants to bathe, and she may love him in return until he breaks his word, as men always do, and she sweeps him into the deeps, with her fishy tail, and turns his faithless blood to water.

The tragedy of Melusina, whatever language tells it, whatever tune it sings, is that a man will always promise more than he can do to a woman he cannot understand".

Fonte: BookDaily, onde podem ler um pouco mais do primeiro capítulo deste livro, em inglês.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

O Décimo Círculo de Jodi Picoult

“Daniel Stone, autor de banda desenhada, nunca suspeitou nem por um momento que o mesmo rapaz que a sua filha de catorze anos, Trixie, amava pudesse infligir-lhe o pior dos males. Seria possível que o mesmo jovem que um dia tinha feito o rosto de Trixie enche-se de luz a tivesse drogado e depois violado? Ela afirma que foi o que ele fez, e basta isso para que Daniel, um homem que escondeu o seu passado até a sua família, se aventure a ir ao inferno e a voltar para proteger a sua filha.

Cheio de ilustrações que reflectem a profundidade da angústia desta família, O Décimo Círculo é um romance cativante e absorvente que revela de uma forma brilhante o coração desesperado de uma jovem e do pai que tenta salvá-la” (Texto do editor)
O Décimo Círculo de Jodi Picoult é um romance em que o protagonista é desenhador de banda desenhada da Marvel, DcComics... e à medida que o drama familiar se vai desenrolando, vai traduzindo para os desenhos a sua interpretação dos acontecimentos.

Este foi o único factor de atracção que me fez pegar no livro, depois de o texto na contra-capa me ter assustado…pensei que seria uma história tão dramática que tornaria penosa a leitura. Mas Picoult, que eu descobri agora através deste livro, é uma escritora competente. A sua analogia da história da família Stone com o Inferno de Dante é boa…entramos no mundo da banda desenhada e ainda vislumbramos pistas sobre a vida e a cultura do Alaska!

O maior mérito (a seguir à articulação enredo-banda desenhada) é a de, a propósito da relação sempre intensa e subjectiva entre pais e filhos, sobretudo adolescentes, mostrar que nem tudo é preto no branco. Vive-se numa larga faixa cinzenta em que se torna por vezes difícil distinguir o certo do errado, a verdade da mentira. As aparências iludem, há uma sucessão de enganos e desenganos… sem certezas nem verdades absolutas, só verdades parciais/pessoais/subjectivas com as quais é preciso conviver…e quando a convivência se torna impossível…aí é o inferno.

É uma leitura que recomendo.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Uma migalha da graça de "O Carteiro de Pablo Neruda"



Este é um daqueles livros que se lê de um fôlego só e com um imenso prazer. Surpreende-nos logo no prólogo, do qual não resisto em transcrever alguns excertos. Se gostarem, óptimo. Se não gostarem, fica pra mim! ;)


"Na altura eu trabalhava como redactor cultural de um diário de quinta categoria. A secção a meu cargo guiava-se pela concepção de arte do director que, orgulhoso das suas amizades no ambiente, me obrigava a incorrer nos crimes de entrevistas a vedetas de companhias frívolas, resenhas de livros escritos por ex-detectives, notas a circos ambulantes ou louvores desmedidos ao hit da semana que pudesse engenhar o filho de qualquer vizinho.

Outros escritores da minha idade obtinham considerável sucesso no país e até prémios no estrangeiro: o da Casa das Américas, o da Biblioteca Breve Seix-Barral, o da Sudamericana e Primera Plana. Nos gabinetes húmidos dessa redacção agonizavam todas as noites as minhas ilusões de ser escritor. Ficava até de madrugada a começar novos romances que deixava a meio do caminho desiludido com o meu talento e a minha preguiça.A inveja, mais que um incentivo para acabar alguma vez uma obra, funcionava em mim como um duche frio.

Pelos dias em que cronologicamente começo esta história — que tal como os hipotéticos leitores notarão arranca entusiasta e termina sob o efeito de uma profunda depressão — o director reparou que a minha passagem pela boémia tinha aperfeiçoado perigosamente a minha palidez e decidiu encomendar-me um serviço à beira-mar, que me consentisse uma semana de sol, vento salino, marisco e peixe fresco, e de caminho importantes contactos para o meu futuro. Tratava-se de assaltar a paz marítima do poeta Pablo Neruda, e através de encontros com ele, conseguir para os depravados leitores do nosso pasquim uma coisa assim, palavras do meu director, «como que a geografia erótica do poeta». Afinal de contas, e em bom chileno, fazer-lhe falar do modo mais gráfico possível das mulheres que tinha engatado.

Hospedagem na pensão da Ilha Negra, viático de príncipe, automóvel alugado à Hertz, e empréstimo da sua Olivetti portátil, foram os satânicos argumentos com que o director me convenceu a levar a cabo a ignóbil proeza. A estas argumentações, e com o idealismo da juventude, eu acrescentava outra acariciando um manuscrito interrompido na página 28: à tarde iria escrever a crónica sobre Neruda e durante as noites, ouvindo o som do mar, avançaria com o meu romance até acabá-lo. E mais, propus-me uma coisa que se tornou obsessão, e que me permitiu também sentir uma grande afinidade com Mario Jiménez, o meu herói: conseguir que Pablo Neruda prefaciasse o meu texto. Com esse valioso troféu bateria às portas da Editorial Nascimento e conseguiria ipso facto a publicação do meu livro dolorosamente adiado.
(...)

Sei que mais que um leitor impaciente estará a perguntar-se corno é que um mandrião acabado como eu pôde terminar este livro, por muito pequeno que seja. Uma explicação plausível é que demorei catorze anos a escrevê-lo. Se se pensar que neste lapso de tempo Vargas Llosa, por exemplo, publicou Conversação na Catedral, A Tia Júlia e o Escrevedor, Pantaleão e as Visitadoras e A Guerra do Fim do Mundo, é francamente um recorde do qual não posso orgulhar-me.
(...)
Beatriz González, (...) quis que eu contasse por ela a história de Mario, «não importa quanto demorasse nem quanto inventasse». Assim, desculpado por ela, incorri em ambos os defeitos".


Excerto do Prólogo de O CARTEIRO DE PABLO NERUDA, de António Skármeta.

Delicioso, não se fiquem por esta migalha se podem comer o bolo todo! Eu já estou toda lambusada! :)

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Escrever um poema é como se fosse uma noite de amor...

"Escrever um poema é como se fosse uma noite de amor, escrever um conto é um namoro, mas escrever um romance é um casamento."
Amos Oz, escritor israelita

Fonte: Jornal a Dias

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