domingo, 19 de março de 2017
Ainda António Lobo Antunes: para ele, não escrever é ficar doente.
sábado, 18 de março de 2017
António Lobo Antunes: "O cancro é uma puta, senhor Barata. Livre-se!"
Um prémio muito merecido!
sexta-feira, 3 de julho de 2015
Festival Internacional de Cultura, em Cascais, arranca com debate entre irmãos Lobo Antunes
quarta-feira, 14 de novembro de 2012
"Os Pobrezinhos": uma crónica de António Lobo Antunes
Os pobres, para além de serem obviamente pobres (de preferência descalços, para poderem ser calçados pelos donos; de preferência rotos, para poderem vestir camisas velhas que se salvavam, desse modo, de um destino natural de esfregões; de preferência doentes a fim de receberem uma embalagem de aspirina), deviam possuir outras características imprescindíveis: irem à missa, baptizarem os filhos, não andarem bêbedos, e sobretudo, manterem-se orgulhosamente fiéis a quem pertenciam. Parece que ainda estou a ver um homem de sumptuosos farrapos, parecido com o Tolstoi até na barba, responder, ofendido e soberbo, a uma prima distraída que insistia em oferecer-lhe uma camisola que nenhum de nós queria:
- Eu não sou o seu pobre; eu sou o pobre da minha Teresinha.
O plural de pobre não era «pobres». O plural de pobre era «esta gente». No Natal e na Páscoa as tias reuniam-se em bando, armadas de fatias de bolo-rei, saquinhos de amêndoas e outras delícias equivalentes, e deslocavam-se piedosamente ao sítio onde os seus animais domésticos habitavam, isto é, uma bairro de casas de madeira da periferia de Benfica, nas Pedralvas e junto à Estrada Militar, a fim de distribuírem, numa pompa de reis magos, peúgas de lã, cuecas, sandálias que não serviam a ninguém, pagelas de Nossa Senhora de Fátima e outras maravilhas de igual calibre. Os pobres surgiam das suas barracas, alvoraçados e gratos, e as minhas tias preveniam-me logo, enxotando-os com as costas da mão:
- Não se chegue muito que esta gente tem piolhos.
Nessas alturas, e só nessas alturas, era permitido oferecer aos pobres, presente sempre perigoso por correr o risco de ser gasto
(- Esta gente, coitada, não tem noção do dinheiro)
de forma de deletéria e irresponsável. O pobre da minha Carlota, por exemplo, foi proibido de entrar na casa dos meus avós porque, quando ela lhe meteu dez tostões na palma recomendando, maternal, preocupada com a saúde do seu animal doméstico
- Agora veja lá, não gaste tudo em vinho
o atrevido lhe respondeu, malcriadíssimo:
- Não, minha senhora, vou comprar um Alfa-Romeu
Os filhos dos pobres definiam-se por não irem à escola, serem magrinhos e morrerem muito. Ao perguntar as razões destas características insólitas foi-me dito com um encolher de ombros - O que é que o menino quer, esta gente é assim
e eu entendi que ser pobre, mais do que um destino, era uma espécie de vocação, como ter jeito para jogar bridge ou para tocar piano.
Ao amor dos pobres presidiam duas criaturas do oratório da minha avó, uma em barro e outra em fotografia, que eram o padre Cruz e a Sãozinha, as quais dirigiam a caridade sob um crucifixo de mogno. O padre Cruz era um sujeito chupado, de batina, e a Sãozinha uma jovem cheia de medalhas, com um sorriso alcoviteiro de actriz de cinema das pastilhas elásticas, que me informaram ter oferecido exemplarmente a vida a Deus em troca da saúde dos pais. A actriz bateu a bota, o pai ficou óptimo e, a partir da altura em que revelaram este milagre, tremia de pânico que a minha mãe, espirrando, me ordenasse
- Ora ofereça lá a vida que estou farta de me assoar
e eu fosse direitinho para o cemitério a fim de ela não ter de beber chás de limão.
Na minha ideia o padre Cruz e a Saõzinha eram casados, tanto mais que num boletim que a minha família assinava, chamado «Almanaque da Sãozinha», se narravam, em comunhão de bens, os milagres de ambos que consistiam geralmente em curas de paralíticos e vigésimos premiados, milagres inacreditavelmente acompanhados de odores dulcíssimos a incenso.
Tanto pobre, tanta Sãozinha e tanto cheiro irritavam-me. E creio que foi por essa época que principiei a olhar, com afecto crescente, uma gravura poeirenta atirada para o sótão que mostrava uma jubilosa multidão de pobres em torno da guilhotina onde cortavam a cabeça aos reis.»
terça-feira, 16 de agosto de 2011
"Amorzade" e a escrita enquanto analgésico
Podem ler na íntegra AQUI.
sábado, 16 de abril de 2011
António Lobo Antunes e a angústia de não conseguir concluir o que não tem fim
Fonte: Revista Visão, edição de 14 de Abril de 2011
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
Uma inquietação constante é fundamental para a criação
"Eu penso que aquilo que faz com que nós continuemos vivos e capazes de criar é isso mesmo, uma inquietação constante. Sem ela não pode haver criação, quem não põe sempre tudo em causa, arrisca-se a ter uma vida interior de três assoalhadas, num bairro económico."
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Quem tem medo do lobo mau, perdão, Lobo Antunes?
Este é um excerto de um artigo publicado hoje pelo Jornal i. Leia tudo AQUI.
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
Vídeo: Ricardo Araújo Pereira entrevista António Lobo Antunes
sexta-feira, 2 de abril de 2010
Uma crónica com muito amor, poucas palavras e pequenos gestos...
Excelente crónica de António Lobo Antunes, a desta semana, para a revista Visão:
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
A escrita e a ténue fronteira entre a autobiografia e a ficção.
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
"Adoro as tuas unhas de puta "
António Lobo Antunes fala da verdade intocada e da arte que imortaliza
Falou de um verso de Ovídio que sempre o obcecou e continua a obcecar - “Lentos, lentos ide, ó cavalos da noite” - do seu quadro preferido, “As Meninas” de Velásquez, e de uma frase de Einstein citada pelo pianista Alfred Brendel: “É preciso fazer as coisas o mais simplesmente possível mas não mais simplesmente do que isso”.
Observou, depois, que “a arte é a nossa única hipótese de vitória sobre a morte”. “Daí o medo que existe da arte - é que ela contém em si uma outra forma de olhar para as coisas, que nós recusamos. Então, é muito tranquilizador as telenovelas, aquilo a que chamam ‘literatura light’, que não sei o que é... todas essas formas de expressão de sentimentos que nos impedem, de facto, de entrar no íntimo de nós”, referiu.
sábado, 3 de outubro de 2009
António Lobo Antunes fala da sua relação com Deus
"A minha relação com Deus tem sido sempre tumultuosa, cheia de desacordos e discussões: longos períodos em que me afasto, alturas em que me aproximo, amuos, quase insultos, discussões. Creio firmemente que, nos livros que escrevo, é Ele que guia a minha mão e não passo de um instrumento da Sua vontade".
Este é um excerto da belíssima crónica do escritor que saiu esta semana, em 1 de Outubro de 2009, na Visão, De profundis.
segunda-feira, 14 de setembro de 2009
Lobo Antunes na "New Yorker"
"In the case of Lobo Antunes, that world is the size of a country—small and marginal, perhaps, but teeming with villainy and vice, and as crammed with wounds and festering sores as an overcrowded hospital ward".
Doctor and Patient: A Portuguese novelist dissects his country by Peter Conrad, New Yorker, 4 de Maio de 2009. Na íntegra aqui.
«A revista "New Yorker" publicou ontem, na sua versão on-line, um extenso artigo sobre António Lobo Antunes, assinado por Peter Conrad, que descreve o romancista português como alguém que "permanece obsessivamente local, preocupado com as dores herdadas da história portuguesa e as debilidades culturais do país". O contrário de Saramago, sugere Conrad, cujas "parábolas seculares, geralmente localizadas em países imaginários, zarpam facilmente para a universalidade".»
quarta-feira, 8 de abril de 2009
As orações "soburdinadas" do artolas
- Queres que pare?
e não valia a pena parar porque não reparava em mim. O que lhe terá acontecido? Casou? Teve filhos? Ou continua no mesmo prédio, de tranças, sem me ligar nenhuma? Deve continuar no mesmo prédio, de tranças, sem me ligar nenhuma, porque carga de água havia de me ligar? Ligava o professor
- Escreve aí no quadro uma oração subordinada
e deu-me um estalo porque escrevi soburdinada. Até hoje acho soburdinada mais bonito. O professor era uma besta de violência, distribuía chapadas pela aula e eu queria ficar grande num instante para lhe aplicar uma sova. Quando fiquei grande procurei-o na lista telefónica para lhe devolver os estalos: nunca o encontrei e ninguém sabia dele. Nos intervalos de bater tirava pêlos do nariz ou mandava-nos comprar-lhe cigarros. (...)
- Estás a pensar na morte da bezerra, tu?
- Não, senhor André
- Então vem aqui ao quadro escrever uma oração subordinada.
Tudo isto me regressou, num vómito instantâneo de imagens, mal a minha prima Ana Maria
- António
de braços abertos na rua, mais baixa que eu, que esquisito. Os olhos dela iguaizinhos, redondos, uma festa que me soube tão bem na cara. Depois acenámos adeus e fui-me embora. Entrei no carro, vim para aqui fazer isto. Acabei o livro, estou vazio. No meio da prosa chegam traduções minhas em grego que a agência mandou por esses correios especiais em que a gente tem de assinar um papel. Assino sempre na linha errada e o empregado diz sempre
- Não faz mal.
Desta foi em grego, da última em macedónio ou polaco. E aparece logo o senhor André a anunciar aos gregos, aos macedónios, aos polacos
- Escreve soburdinada, o camelo
num desprezo sem fim, e os gregos, os macedónios e os polacos a concordarem, escandalizados. Devem achar os estalos merecidos:
- Soburdinada, que horror, anda a gente a publicar este artolas
e o artolas, distraído deles, a pensar na morte da bezerra. Não: o artolas, distraído deles, a respirar o vapor do caneiro, espantado com os ratos. Não: o artolas a hesitar como se acaba esta crónica. Não a acabes, artolas: fica assim".
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
Duas caricaturas e uma citação de António Lobo Antunes
"(...) penso no absurdo de escrever. De estar a escrever quando podia estar com os amigos, ir ao cinema, ir dançar que é uma coisa de que gosto... mas não, um tipo está ali e é um bocado esquizofrénico. (...) Há sempre uma parte subterrânea nas obras de arte impossível de explicar. Como no amor. Esse mistério é, talvez seja, a própria essência do acto criador. (...) Quando criamos é como se provocássemos uma espécie de loucura, quando nos fechamos sozinhos para escrever é como se nos tornássemos doentes. A nossa superfície de contacto com a realidade diminui, ali estamos encarcerados numa espécie de ovo... só que tem de haver uma parte racional em nós que ordene a desordem provocada. A escrita é um delírio organizado".
domingo, 1 de fevereiro de 2009
António Lobo Antunes por Isabel Stilwell
Não grita, fala num tom suave e é educadíssimo - pede para repetirmos a pergunta duas ou tês vezes, as suficientes para que fique bem evidente que estúpida e vazia é.
Afirma repetidamente que não faz juízos de valor, nem se acha acima dos outros, mas depois vai dizendo, a propósito de tudo e de nada, que só gosta de entrevistas quando os entrevistadores têm qualidade, até ao momento em que temos vontade de apresentar desculpas e sair. E aí, faz um outro dos seus sorrisos ternos e garante que não são insinuações, porque não é homem dessas coisas e, de resto, "só a conheço há meia hora".
Tento mais uma pergunta. "Falar de mim? Mas isso não me interessa", diz-me hoje, agora, porque quando marcou a entrevista, informado desse mesmo objectivo, não protestou.
E eu volto a sentir a mesma perplexidade que senti quando lhe perguntei qual era a memória mais antiga da mãe e ele me respondeu que isso era pessoal e não me dizia, ou se inclinou várias vezes sobre a secretária para me pedir (educadamente) que repetisse outra vez aquela pergunta absurda, estranha, inacreditável do "Tinha um urso de peluche?".
Culpo-me a mim própria. "Ele tem toda a razão, isto são perguntas que se façam a um grande escritor?", penso eu, intoxicada por aquela estratégia que à distância percebo não ser mais do que uma forma de confundir o inimigo.
E, de facto, o que é que interessam as mães, os pais e irmãos, os ursos de peluche e os comboios eléctricos, os psiquiatras e os amigos de infância, a relação com os doentes, as criadas e as tias, os livros lidos alto e os lares de terceira idade, as árvores de Benfica e os jardins onde habitavam os corvos e tudo aquilo com que Lobo Antunes transforma os seus livros em obras de arte, nos atrai, emociona, faz rir e prende página após página? Que importância têm e que interesse há em falar neles, quando podemos meditar sobre o fio da narrativa ou embrenharmo-nos em citações de escritores, grande escritores, que os bananas dos jornalistas não conhecem, nem querem discutir, porque - imagine-se - gastam o tempo todo a tentar perguntar coisas que os leitores da entrevista estariam mais interessados em saber.
E o mais extraordinário de tudo isto é que, durante umas horas, não percebemos a contradição, não damos pelo facto de Lobo Antunes ir falando repetidamente de si próprio - desde, evidentemente, que não seja directamente em resposta a uma pergunta feita, como a criança que só come a sopa quando a mãe olha para o lado. E o mais extraordinário, ainda, é que ficamos com vontade de rezar dois Padres-Nossos e três Avé-Marias por não estarmos à altura de o entrevistar, em lugar de pura e simplesmente batermos com a porta.
E, no entanto, quando deixamos o seu gabinete e percorremos os corredores do Hospital Miguel Bombarda, cruzando-nos com doentes de roupão e a arrastar os chinelos, a conversa parece que normaliza. Ou, pelo menos, a minha cabeça volta a funcionar normalmente - sim, porque não duvido que para o ex-psiquiatra nada disto seja mais que um "delírio persecutório!".
Vamos almoçar ao restaurante mais próximo. Falamos sobre snobeiras e beijos de um lado e dos dois lados, de espelhos de talha e da grandeza da alma, de telenovelas e de tipos de pessoas. E faço o "diagnóstico": Lobo Antunes é um "menino bem (formado)", inteligente, com sentido de humor e espírito crítico que soube libertar-se do casulo onde os "meninos bem" habitualmente vivem a vida toda, e percorrer o resto do mundo, torcendo aqui e ali instintivamente o nariz às mulheres que o tratam por filho e aos escritores que comparam carros parados em semáforos a cavalos impacientes, capaz de gostar para além das aparências, de se emocionar para além do que gostaria e com um génio extraordinário para juntar tudo isto e transformá-lo em personagens e palavras que o tornam num dos nossos melhores escritores. Tudo isto sem deixar de ser, basicamente, um menino "mimado", que com aquele sorriso e aqueles olhos azuis aprendeu todas as técnicas de deixar os outros desconcertados, infelizes e humilhados. Quando quer. Para no momento seguinte ter tanto charme e encanto, que temos medo de ter incorrido em juízos precipitados. E assim sucessivamente.
Texto de Isabel Stilwell a quem, apesar de tudo, invejo aqui o papel de interlocutora. Ou talvez não:talvez seja melhor ficar pelos livros e pelas crónicas.
Publicado em Fevereiro de 2000, na revista
Fonte: http://www.ala.nletras.com/entrevistas/NMFEV2000.htm
terça-feira, 30 de dezembro de 2008
Oito citações de António Lobo Antunes sobre as mulheres e o amor
fonte: Livro de Crónicas, 1998
É mais sensual uma mulher vestida do que uma mulher despida. A sensualidade é o intervalo entre a luva e o começo da manga.
fonte: Diário de Notícias, 09.11.2004
Ninguém é bom ou mau na cama. Se há um problema sexual, é outra coisa, mas senão há problemas concretos, basta que se goste muito de uma mulher; se isso acontece, ela é a melhor na cama..
fonte: Conversas com António Lobo Antunes, de María Luisa Blanco, 2002
Teria dificuldade em viver com uma mulher que escrevesse. Eu nunca seria o mais importante na vida dela, viria sempre depois dos livros.
fonte: Diário de Notícias, 17.02.2006
Uma coisa é o amor, outra é a relação. Não sei se, quando duas pessoas estão na cama, não estarão, de facto, quatro: as duas que estão mais as duas que um e outro imaginam.
fonte: Diário de Notícias, 09.11.2004
No amor podemos substituir uma pessoa por outra, mas não na amizade, porque cada amigo tem o seu lugar e não podemos substitui-lo.
fonte: Conversas com António Lobo Antunes, de María Luisa Blanco, 2002
Penso que as mulheres são mais ciumentas do trabalho que das outras mulheres. Mas eu entendo isso. Eu não gostaria de viver com uma mulher que escrevesse porque, se fosse como eu, estaria tão concentrada no trabalho que não existiria mais nada.
fonte: Conversas com António Lobo Antunes, de María Luisa Blanco, 2002
Um escritor é, por natureza, um carenciado de afecto.fonte: Jornal de Letras, Novembro 1985
Retiradas de www.alaptla.blogspot.pt/p/
quinta-feira, 14 de agosto de 2008
Todos os homens são maricas quando estão com gripe
TODOS OS HOMENS SÃO MARICAS QUANDO ESTÃO COM GRIPE
Pachos na testa
Terço na mão
Uma botija
Chá de limão
Zaragotoas
Vinho com mel
3 aspirinas
Creme na pele
Dói-me a garganta
Chamo a mulher
Ai Lurdes, Lurdes
Que vou morrer
Mede-me a febre
Olha-me a goela
Cala os miúdos
Fecha a janela
Não quero canja
Nem a salada
Ai Lurdes, Lurdes
Não vales nada
Se tu sonhasses
Como me sinto
Já vejo a morte
Nunca te minto
Já vejo o inferno
Chamas, diabos
Anjos estranhos
Cornos e rabos
Vejo os demónios
Nas suas danças
Tigres sem litras
Bodes de tranças
Choros de coruja
Risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes
Que foi aquilo
Não é a chuva
No meu postigo
Ai Lurdes, Lurdes
Fica comigo
Não é o vento
A cirandar
Nem são as vozes
Que vêm do mar
Não é o pingo
De uma torneira
Põe-me a santinha
Á cabeceira
Compõe-me a colcha
Fala ao prior
Pousa o Jesus
No cobertor
Chama o doutor
Passa a chamada
Ai Lurdes, Lurdes
Nem dás por nada
Faz-me tisanas
E pão-de-ló
Não te levantes
Que fico só
Aqui sozinho
A apodrecer
Ai Lurdes, Lurdes
Que vou morrer.
Letra de António Lobo Antunes, de uma música do álbum Eu que me comovo por tudo e por nada, de Vitorino, editado em 1992. Com títulos tão sugestivos como Bolero do coronel sensível que fez amor em Monsanto, Canção para a minha filha Isabel adormecer quando tiver medo do escuro ou Fado da prostituta da Rua de Sto António.
Deixo também o
TANGO DO MARIDO INFIEL NUMA PENSÃO DO BEATO
Sem tempo para ter tempo
De ter tempo de te dar
O tempo que tu mereces
Prazeres em que tu morresses
Manhãs que não amanheces
E arrepios que estremeses
Na boca de te beijar
Fico sentado no quarto
Desta cama de pensão
Ausente, despido farto
Cansado dessas mulheres
Que ouvem sem me escutar
Que me olhem sem me ver
Que me amem sem saber
Que me roçam sem tocar
Que me abraçam sem paixão
Que ignoram que eu anoiteço
Que me emsombro que escoreço
Que me enrudo e envelheço
Me pragueio e apodreço
E a quem pago o que me dão:
Uma espécie de ternura
Uma imitação de amor
Lençóis que são sepultura
De carícias sem doçura
E dos meus lábios sem cor
Ai dedos no cabelo
Quero a minha raiva toda
Quero domá-la e vencê-la
Quero vivê-la ao meu modo
Até encontrar por fim
Aquela voz de menino
Há tantos anos perdida
Há tanto tempo esquecida
Em soluços dissolvida
A gritar dentro de mim.
ANTUNES, António Lobo. Letrinhas de Cantigas. Lisboa : Dom Quixote, 2002.