Mostrar mensagens com a etiqueta crónica. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta crónica. Mostrar todas as mensagens

sábado, 16 de abril de 2011

António Lobo Antunes e a angústia de não conseguir concluir o que não tem fim

Mais uma crónica de António Lobo Antunes, "Deste profundo abismo, senhor", sobre a angústia da morte lhe roubar a possibilidade de concluir o que não tem fim:




Os livros que escrevi trazem o meu nome mas tenho dificuldade em encontrar os seus autores. Só aquele que estou a escrever é feito por mim, os restantes parece-me sempre terem sido outros homens que os compuseram. Posso reconhecer-me no que sou hoje em algumas expressões, alguns desenhos de frase, alguns parágrafos talvez, gosto deles mas afiguram-se-me passos já dados, e que não desejo repetir, na direção do meu trabalho de agora, que, de certo modo, os engloba a todos. Julgo que compõem um único texto, ou que são afluentes de um único texto ainda não completo, e que, por mil anos que viva, ficará irremediavelmente truncado. Queria deixar uma catedral de palavras e dou-me conta que a catedral não tem fim. Queria arredondar o edifício, fechá-lo, e dou-me conta, desolado, da impossibilidade desse fecho, dada a inevitável limitação da vida. Não morrerei satisfeito, morrerei com a dor de não ter tido tempo. Construirei uma obra mais duradoira que o bronze, afirmava Horácio: isso julgo que consigo. Ou Ovídio: hei-de sobreviver ao tempo, ao ferro e ao fogo: isso acho que também consigo. Porém desejava mais do que isso: uma música sem fim, uma sinfonia total. Decerto o que digo é a frustração de todo o artista e o inevitável destino da condição humana. Goethe consolava-se declarando ser o facto de não chegar ao termo a nossa única grandeza. E não conheço, em tantos autores que li, um só para quem este problema não constitua o drama da sua existência. Não se alcança a praia por mais que se nade, não há fita de chegada para esta maratona angustiosa e exaltante. Quando a doença me filou pelo pescoço, essa ansiedade envenenou-me as horas. E, quando a mão me soltou, a marca dos seus dedos imprimiu-se-me na pele. Um dia, o conjunto de átomos que me compõem desintegrar-se-á sem remédio, e eu a meio da página de que não redigirei a última linha. Tenho o maior respeito pelos criadores visto que acabam sempre por perder e não mereciam perder. E tenho pena de mim porque triunfarei na derrota: um tiro bem acertado deitar-me-á ao chão a meio do voo, e serei uma perdiz esfarrapada numa moita, que um cachorro abocanhará para a entregar ao dono, o mesmo dono que traz, pendurados do cinto, aqueles que me precederam e enganchará no mesmo cinto os que vierem depois, com idêntica indiferença. Lembro-me das terríveis anotações de Mozart nas margens do seu Requiem, não tenho tempo, não tenho tempo, idênticas às de Gallois, que levou toda a noite a escrever antes do duelo que, de manhã, o matou, tentando condensar em poucos momentos as assombrosas descobertas dos seus dezanove anos de vida. É isto justo? E a resposta vem sinistra: é. Quem escolhe, ou foi escolhido, para este tipo de destino, finda, inevitavelmente, assim. É muito rara a correspondência de pintores, ou escritores, ou compositores em que a tragédia de que falo não esteja constantemente presente, como uma chaga viva. Piedade para nós que trabalhamos nas fronteiras do ilimitado e do futuro, suplicou Apollinaire e, de facto, somos dignos de piedade. Há uns verões, num mosteiro da Roménia, o bispo cantou, com os padres e os seminaristas, uma oração pelas almas eternas dos escritores falecidos. Era uma igreja belíssima, no alto de uma encosta batida pelo vento e pelos grandes bandos de corvos chegados da Ucrânia, cujos campos de trigo se viam muito ao longe, e o canto, de dezenas e dezenas de vozes, alargava-se pelas nogueiras à volta da igreja, profundo, omovente, cheio, em simultâneo, de tristeza e de esperança, enquanto eu pensava em Gogol, o grande génio da Ucrânia, que nos retratos se assemelhava a um corvo, botando no fogo, a soluçar, toda a segunda parte das suas extraordinárias "Almas Mortas" e, em seguida, deitando-se na cama, recusando comer, até à agonia poucos dias depois: a literatura também tem os seus mártires, e nunca esquecerei a comoção que senti nessa igreja e a certeza que Gogol voava também, com os restantes corvos, em torno da colina, sobre as nogueiras em flor. Apollinaire, ainda: abram-me esta porta à qual bato a chorar, num verso que poderia ter sido composto por qualquer criador e que está sempre presente em mim diante de todas as obras de Arte. Abram-me esta porta à qual bato a chorar, é o que oiço, desde os poemas babilónicos, de há doze mil anos, até à mínima palavra de hoje. E quando Maiakovski explicou


(desculpem tanta referência)


comigo a Anatomia enlouqueceu: sou todo coração, estava a falar por nós. Conheci homens políticos importantes, desportistas excepcionais, criaturas de extrema bondade, santos anónimos de alminhas puras mas jamais me emocionei tanto como perante os criadores, não pela sua capacidade de nos oferecerem a beleza na palma da mão estendida, juntamente com a dignificação do Homem, mas pelo enorme padecimento inerente a esta capacidade, e a certeza pavorosa do seu trabalho estar destinado a ficar incompleto. Vem-me à cabeça Tolstoi moribundo, numa estação de caminho de ferro, percorrendo o cobertor com os dedos no gesto de escrever. É dessa maneira que gostaria de me ir embora: a escrever, com os dedos incertos, numa dobra de lençol, na tentativa falhada de completar o meu De Profundis necessariamente fragmentário. Oxalá, numa igreja da Roménia, cercada de corvos e nogueiras, um único seminarista, porque um único seminarista me chega, reze cantando pela alma eterna de mais um pobre escritor falecido.

 
Fonte: Revista Visão, edição de 14 de Abril de 2011

terça-feira, 8 de março de 2011

"A menina Facebook" ou o papel das redes sociais na História

Webcedario, no tempo em que "facebook" ainda se escrevia "phacebook". :)



"Um egípcio batizou a filha com o nome Facebook, em homenagem à rede social que tanta importância teve na revolução egípcia... Mas aparententemente ainda não tem perfil na rede. Longa vida para Facebook!

(...)
 
A menina Facebook (noutros tempos chamar-lhe-iam simplesmente liberdade) é filha de duas das mais notáveis revoluções do século XXI. No Egito, tal como na Tunísia, o que para muitos era impensável aconteceu: o povo de um país maioritariamente muçulmano rebelou-se, de forma relativamente ordeira e pacífica, contra o seu ditador, criando as condições para uma democracia laica, ao exemplo do que acontece na Turquia. Uma jovem, na Praça Tahir, comentava entusiasmada: "Isto não é virtual, isto não é o Facebook, isto está mesmo a acontecer". Porque revoluções no Facebook há aos magotes.
 
O Facebook, neste caso, foi uma revolução ao serviço da revolução. Um instrumento tão importante para a organização dos manifestantes egípcios, como o astrolábio para os navegadores portugueses. A menina saberá disso. Quando ela crescer, o Facebook, muito provavelmente, já terá dado lugar a outra geringonça tecnológica, e será olhado com a mesma nostalgia com que hoje vemos o ZX Spectrum. Mas se a menina Facebook se deslocar à Praça Tahir, pode ser que encontre um monumento com o seu nome. Compreenderá então porque se chama assim".
 
Excertos de um texto do blogue Homem do Leme. Leia na íntegra AQUI.

segunda-feira, 7 de março de 2011

"O poeta funcionário que dá nomes a coisas importantes"

"Num cubículo bafiento de um Ministério Secreto há um funcionário meticuloso que dá nomes a coisas do Estado. Podia ser um pequeno poeta, mas é apenas um homem que dá nomes a grandes coisas".




Boa prosa a do Pastor Pelejão, do blogue Três Pastorinhos, num texto publicado em  22 de Fevereiro de 2011. Aqui fica:


Desconfio que tudo é obra do Sr. Teixeira.

Diligente e poético Sr. Teixeira, um génio nos corredores plúmbeos dos ministérios que recorrem aos seus serviços de bico-de-pato afiado (o bico, não o pato).

O Sr. Teixeira é um daqueles lisboetas românticos e melancólicos que perscruta o céu dos decrépitos edifícios pombalinos como quem vislumbra pela primeira vez um quadro de Rubens e as suas ninfetas rosáceas e repolhudas de celulite.

De manhã, pela fresca, bebe a religiosa bica escaldada numa leitaria da Baixa, antes de caminhar a trote funcionário sobre os seus sapatos luzidios, de brio gasto, como os sonhos que se dissipam no esbanjar dos dias.

De ombros curvados e olhar de burocrata-forçado, o Sr. Teixeira cumprimenta com um aceno bovino o porteiro do ministério que cinge o polegar à pala, aborrecido e ignaro à pequenez ministerial do Sr. Teixeira.

Mas ali vai uma alma poética, embrulhada no fato de camurça de quatro estações e num nariz aduncado e lacrimoso de rinites, ali vai uma dor de poesia, um estribilho da solidão, da angústia, da ausência, do amor.

Ali vai um pungente lírico, como todos os maus poetas portugueses. Todos grandes na sua pequenez alada.

Figura microscópica na grande ordem das coisas ministeriáveis e talento poético apagado como uma beata no cinzeiro da indiferença, o Sr. Teixeira tem, no entanto, uma missão da mais altíssima importância para a Nação e quiçá, para a humanidade.

Sentado no seu cubículo bafiento no Ministério das Nomeações, em frente à velha secretária do tinteiro centenário, seco como as ideias de um político palavroso, o Sr. Teixeira, no seu anonimato amargo, vai dando expressão singela à sua verve poética, à sua inclemente verborreia de palavras declamáveis.

A poesia a uso da Nação. O Sr. Teixeira, qual O´Neill dos socorros a náufragos, é quem dá o nome às coisas públicas. Ali na sua escrivaninha-pia-baptismal nascem o nome das grandes coisas do Estado.

O nome dos altos-comissariados distribuídos a granel entre a corja esfaimada dos favores, é ele que os dá.

O título dos cargos inúteis que ornamentam a vaidade dos seus titulares, é ele que os dá.

É ele que dá também o nome às operações policiais que varrem o país de lés-a-lés, não dando descanso ao pilha-galinhas e ao carteirista, nem ao autarca corrupto ou ao banqueiro das traficâncias.

Com a pena inspirada do Sr. Teixeira, os polícias, os magistrados os inspectores encontram um desígnio, uma Cruz de Cristo que os guie na sua cruzada contra o Reino da Trafulhice Organizada que é Portugal.

"Operação Furacão" foi momento de inspiração meteorológica, gravado no coração do poeta-funcionário pelo tufão Katrina. Uma investigação que teria o mesmo efeito na alta finança mafiosa que o Katrina teve em Nova Orleãs. Devastador.

Não é culpa do Sr. Teixeira que depois a investigação acabe com falta de ar, de meios, de vontade, de tempo. Não é por culpa do Sr. Teixeira que o "Furacão" termine em apneia.

Também não é culpa do Sr. Teixeira que a belíssima Taxa Robin Hood, de clamor poético, benigno, justiceiro e igualitário, sirva apenas para o nosso Sheriff de Nottingham cobrar mais uns impostos, sem benefício plausível para os pobres.

O Robin Hood português rouba indiferenciadamente aos ricos e aos pobres, e enche os cofres do Estado. Não é Robin Hood, é mero gatuno. Mas disso, o Sr. Teixeira não tem culpa.

O Sr. Teixeira só dá o nome às coisas da Nação, mas não tem culpa de elas serem como elas são.

Se o Sr. Teixeira soubesse para que serve a Taxa Robin Hood, talvez lhe tivesse dado o mais apropriado nome de Taxa Benny Hill.

O que o Sr. Teixeira gostava mesmo era dar nomes às estrelas, aos planetas, às flores e aos rafeiros abandonados num canil pulguento.

Mas, como todos nós, o Sr. Teixeira tem de ganhar a vidinha, mesmo que ela seja má, anónima e indigna de nomeação. Se tivesse de nomear a própria vida, o Sr. Teixeira, chamar-lhe-ia "Operação desperdício".

domingo, 9 de janeiro de 2011

Caçada nocturna pelas ruas de Lisboa

Roteiros de solidão e de gente que se perde pela vida, sempre a procurar em círculos nem sabem bem o quê.

Caçada nocturna



À noite todas as putas são pardas. Sigo pelas ruas secundárias da cidade, mas a bicha faz parecer que estamos na hora de ponta. Bom, a zona das bichas é mais no Conde Redondo, mas não pode dizer-se que, por aqui, não estejamos na hora de ponta.

É vê-los. É verem-me. A fila de putanheiros sabe do que falo. Temos que esperar pela nossa vez. Há um código de respeito. E de vergonha. Não me vejam. E eu não os vejo. Só as putas são visíveis. Os olhos têm destinatários. Mas os meus fraquejam.

Durante o dia, parado nas filas de trânsito, penso no que irei fazer nestas noites. E nestas noites, parado num trânsito de pilas, penso no que ando a fazer dos meus dias. Estradas alternativas que vão dar a casa de alguém. Onde alguém espera por alguém.

Sigo pelo Técnico ao Saldanha. Aqui tudo piora. Estou a subir, mas sinto o sangue a baixar-me o juízo. Temos que esperar a nossa vez. E procurar, procurar sempre. Não ver para não ser visto. É essa a regra. Respeito ao código dos putanheiros.

Uma volta ao quarteirão. Duas voltas ao quarteirão. E elas não ficam mais bonitas nem à terceira. Nem à quarta. Eu também não fico mais sóbrio. Estou cansado. Farto.


Aqui não há desejo. É tudo expectativa. Sigo pela Artilharia Um. Dois. Três. Queimei um vermelho junto à prisão. E penso queimar um verde. Para mim, as quintas-feiras são verdes. As quartas amarelas. E as putas são pardas. Pardo não é bem uma cor. E isto não é bem uma vida. Quanto muito, algo suspenso no meio disso. Amanhã é quinta e será queimada pelo sol que não tarda. Esperar pela nossa vez e respeitar o código.

Houve um tempo em que eu parava o carro quando chegava a minha vez. Aqui não há prazer. É tudo consumação. Desilusão e cansaço. Havia a Kali, a rainha senegalesa. E havia a Veronika, a bailarina ucraniana. Veronika não falava português, era toda gesto. Mas isso pouco importava. A comunicação entre putas e putanheiros dispensa a palavra e até a língua. Sai mais caro. De resto, é tudo o mesmo. Putas e putanheiros. Até a palavra é a mesma. Caça e caçador. O caçador carrega a dor que a caça não sentirá.


Nós somos aquilo que consumimos. E aquilo que nos consome reclama, com razão, a nossa propriedade. Sigo pela rua António Maria Cardoso e viro à direita. Era ali que costumava estar a Senhora Dona. Acho que morreu de tudo. Abatida por tudo. Logo ela, tão dada a nada. Ao fim de alguns anos, estas caçadas tornam-se muito parecidas.


Indistintas como as noites. O lado bom é que as presas são muitas. O mau é que sabem todas ao mesmo. O preço a pagar também é sempre o mesmo. Pouco e demasiado.


Sigo pela Antero de Quental. Agora, de repente, sinto que podia parar. Podia inverter a marcha, virar à esquerda e seguir em frente. Parar no vermelho e salvar o verde. Estaria em casa. Onde habito. Mas é cedo como se fosse ainda ontem. Anteontem e antes disso. Ou talvez seja tarde. Depois de amanhã e ainda depois de depois de amanhã. Esperar.

Temos que esperar a nossa vez. Procurar. Insistir. Não ver para não ser visto. É essa a regra. O código. Viro à direita para mais umas voltas ao quarteirão. Tudo o que eu quero é parar. Ir para casa. Arranjar uma casa. Dormir. Arranjar alguém com quem dormir. Parar. Arranjar alguém que me faça parar. Só quero que acabe. Que pare. Mas também sei que é então que tudo, normalmente, começa. Não sei se estão a ver.




Pastor Flores, in Nunca Nada Ninguém


Publicado no Jornal de Letras em 7 de Janeiro de 2011

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Os guerrilheiros infiltrados em cada sala de aula

O testemunho de uma professora, um  artigo escrito por maphalda para a Visão, em 25 de Novembro de 2010:



Pois é, há dois guerrilheiros infiltrados em cada aula onde lecciono a minha disciplina, e que lhe retiram a disciplina. Acredito que esses alunos até tenham as suas razões para se portarem mal, mas mesmo os cães ladrando, a caravana tem que passar.


O Pedro e o Paulo divertem-se a aterrorizar os outros. Porque são mais brutos porque se afastaram dos seus corações e habituaram-se a viver longe deles. Assim o Paulo não aproveita nem deixa aproveitar. É a vingança. A vingança por não ter nada. Por não ter nada que outros têm, por nem sequer ter pai, nem ter tido alguma vez. E por ter a mãe pela metade, já não é a mãe, é a sombra dela; a vaguear pela casa escura, de cortinas fechadas, onde o sol é temido. E o Paulo esgueira-se por entre o seu espectro, directo para a rua, ávido de oxigénio e da vida que se lhe nega também. Já desejou muito abraçar a mãe e dizer-lhe: "Não te preocupes. Vês? Tens à tua frente o homem da casa! Não te vai faltar nada, nem beijos, nem no prato! Prometo-te!". E foi a primeira vez que lhe deu umas ganas furiosas de roubar; para cumprir o maior e mais puro desejo que lhe tinha atravessado o coração! Mas a mãe não se salvou. Vive do subsídio, pois foi atacada por todas as doenças, mas a mais incurável é a conta da farmácia. Por isso o único remédio que não se importa de pagar, que até dava tudo por ele é o calmante. É o deus dela, é o que lhe barra o caminho para o coração... em chaga.


O Paulo quando chega à escola e vê o sorriso parvo dos fins-de-semana bem passados de alguns colegas, só lhe apetece é juntar-se ao Pedro... e arrasá-los. Porque a escola é o espaço afectivo mais normal que vivencia, o único onde vão tolerando os seus abusos. Há esses colegas parvos, mas tambem há todos os outros não mais felizes do que ele, mas desprovidos da carapaça com que ele e o Pedro se vestiram; esses seus colegas nus, que acusam todas as alfinetadas, setas, lanças, mísseis, que as fábricas de armamento dos meninos perversos produzem, a par das carapaças.




Leia na íntegra AQUI.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

"...o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe."

 
Amor é...(des)atar-mos os atacadores um do outro. :)


Só um Mundo de Amor pode Durar a Vida Inteira

Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.

O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixonade verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há,estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço.

Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?

O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida,o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar.

O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.

O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado,viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não.

Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.
 
Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Expresso'
 

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Porque é que Ricardo Araújo Pereira não conta piadas em inglês?

"Temo não saber inglês suficiente para compreender a música portuguesa. Não quero parecer velho, mas ainda sou do tempo em que a música portuguesa era cantada em português. Lembro-me bem dessa altura em que um aspirante a cantor conseguia pegar numa guitarra sem começar a verter as suas canções para uma língua que os turistas entendessem. Era estranho, claro. Gente portuguesa a exprimir-se em português sempre me fez confusão. Trata-se de um idioma bastante limitado, que restringe as possibilidades de expressão dos seus falantes, e portanto não admira que haja quem se veja forçado a recorrer à língua inglesa quando se trata de transmitir pensamentos realmente sofisticados, tais como "I love you, baby", "Please forgive me, baby", "Don't break my heart, baby" ou "Yeah, baby, you are my baby".

Não posso, no entanto, deixar de notar que ainda há um longo caminho para percorrer. Neste momento, os artistas portugueses que cantam em inglês ainda estão condenados a dar entrevistas em português. Como é evidente, fazem falta jornais portugueses escritos em língua inglesa - ou, pelo menos, jornais portugueses que, embora fazendo perguntas em português (se querem mesmo insistir nesse capricho), permitam que as respostas possam ser dadas em inglês. Caso contrário, prosseguirá esta violência desumana que consiste em forçar cidadãos a exprimirem-se na sua própria língua. Creio que há um ou dois artigos na Declaração Universal dos Direitos Humanos que censuram essa prática.

Felizmente, nem tudo joga contra os músicos portugueses que cantam em inglês. Por coincidência, a língua na qual eles se sentem mais à vontade é falada internacionalmente. Isso pode evitar-lhes embaraços parecidos com os que sempre afligiram os músicos portugueses com mais projecção lá fora. Todos nos lembramos dos concertos da Amália, sistematicamente interrompidos por espectadores que diziam: "Amália, what are you doing? Please sing in english! We don't understand you!" Para não falar do caso dos Madredeus, obrigados a tornar as suas letras mais acessíveis ao público estrangeiro ("À porta, I love you baby, daquela igreja, I miss you baby, vai um grande corrupio").

O meu único receio é que este desamor à língua portuguesa, e a ideia de que ela pode prejudicar o nosso ofício, tenham deflagrado no mundo da música e se propaguem a outras profissões. Que, por exemplo, um número considerável de canalizadores decida passar a consertar torneiras em inglês, para facilitar uma eventual carreira internacional, ou apenas porque tem mais estilo. "Let me unclog your toilet baby!" Enfim, não é o tipo de conversa que gostaria de ter com um canalizador. Embora reconheça que a frase talvez desse uma excelente música portuguesa".


Crónica de Ricardo Araújo Pereira para a Revista Visão de 27 de Outubro 2010 

terça-feira, 10 de agosto de 2010

"O que há num nome?" - Um Shakespeare e dois Sócrates

"O que há num nome?", perguntou Shakespeare pela boca de Julieta - prática que, a propósito, parece ser extremamente anti-higiénica. Uma rosa, dizia a rapariga que, certamente por perfeccionismo, primeiro fingiu matar-se e só depois se matou mesmo, teria igual beleza e o mesmo cheiro caso tivesse outro nome. É verdade. Se a rosa se chamasse, digamos, bidé, seria igualmente bela, por muito que pudesse ser um pouco embaraçoso oferecer a alguém um lindo ramo de bidés. Mas o Bardo refletiu apenas acerca do objeto que, mudando de nome, mantém as características. Por esquecimento ou preguiça, não se debruçou sobre os objetos que, tendo características diferentes, partilham o mesmo nome. Por exemplo, o que há num Sócrates? Será possível que dois Sócrates diferentes encontrem, no entanto, o mesmo destino? Não deixa de ser inquietante que Julieta não tenha colocado esta questão a Romeu, tendo preferido entreter-se com considerações sobre rosas. Mais sobra para nós, amigo leitor, meditarmos.

O que começa por ser curioso na comparação entre o Sócrates grego e o Sócrates português é o facto de as próprias diferenças os aproximarem. Repare: o Sócrates grego nunca disse ser sábio. Ao Sócrates português, até lhe atestaram a sabedoria ao domingo...

Excerto da última crónica de Ricardo Araújo Pereira para a revista Visão. Leia na íntegra AQUI. 

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Quem consegue ir de férias este ano?

"O dinheiro é belo, porque é a libertação"
Fernando Pessoa
 
E não deveriam as férias ser um período por excelência de libertação? Mas como gozar as merecidas férias em tempos de furiosa crise?



"Esta é a altura do ano em que os portugueses, depois de um ano de trabalho (os que ainda têm trabalho), pegam nas suas economias (aqueles que não tinham o dinheiro em bancos que faliram), e vão agora de férias (aqueles que podem dar-se ao luxo de ter férias). E vão, de certeza, com a sensação de que deixam o País arrumado. O Presidente da República diz que a situação é insustentável. Um antigo Presidente e um candidato à Presidência dizem que ele não pode dizer que a situação é insustentável. O primeiro-ministro diz que estamos muito bem. A oposição diz que ele não pode dizer que estamos muito bem. Portanto, podemos ir de férias descansados. E esclarecidos.

A primeira tarefa do cidadão que começa a gozar o merecido descanso é pagar a não menos merecida sobretaxa de IRS sobre o subsídio de férias. O cidadão sabe, porque já lho disseram, que andou a viver acima das suas possibilidades, e por isso chegou a hora de pagar. O cidadão, que tem a mania das grandezas, pensou que podia viver à tripa-forra, num desses países modernos que premeiam os administradores das suas empresas com bónus milionários. Não, caro cidadão. Tudo isso lhe deu status e qualidade de vida, é indesmentível. Mas não é gratuito. Quem quer viver numa sociedade assim, paga. 

A segunda tarefa é escolher um destino de férias. Tanto os destinos mais baratos, como uma semana com tudo pago nas Caraíbas, como os mais caros, como um fim-de-semana com meia pensão no Algarve, parecem excessivos para o seu orçamento. Uma hipótese é meter a família no carro e, como recomendou Cavaco Silva, ir para fora cá dentro. Uma opção que traz alguns problemas. Primeiro, há que meter gasolina, o que não é barato. Depois, talvez seja boa ideia comprar uma água e um papo-seco para a viagem. Mas com cautela, na medida em que o IVA sobre os bens essenciais subiu um por cento. Os milionários que tiverem dinheiro para depósito cheio e farnel poderão fazer-se à estrada, embora conscientes de que mais cedo ou mais tarde vão passar numa SCUT, daquelas que não eram pagas mas entretanto passaram a ser. Antes disso, num semáforo, ainda são capazes de topar com o ministro das Finanças com um chapéu virado ao contrário a pedir nem que seja a moeda mais pequena, em busca de receitas extraordinárias. Em princípio, depois de percorrer 50 quilómetros, o cidadão já não tem dinheiro e tem de voltar para casa. Essa é a terceira tarefa. Boa sorte". 

Crónica de Ricardo Araújo Pereira para a Visão em 1 de Julho 2010

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Ricardo Araújo Pereira apela a movimento 'uma playmate em cada turma' e recorre a esteriótipo dos bibliotecários :)

Cartoon de Rodrigo em Humoral da História/Expresso


A propósito do caso da professora primária de Mirandela que posou para a Playboy e foi "arquivada". E já agora, lá por ser a única docente avaliada (se bem que por parâmetros díspares dos do ME) de forma transparente como muito boa (piada de Rui Unas), depreende-se que percebe de ciências documentais e vai trabalhar (leia-se esconder) no arquivo?


"Na qualidade de antigo aluno, a notícia da professora de Mirandela que posou nua na Playboy deixa-me indignado: no meu tempo não havia professoras destas. (...) Devo dizer, aliás, sem querer ser corporativista, que, se eu mandasse, todas as professoras posariam nuas na Playboy. O Ministério da Educação continua entretido com programas e avaliações e ignora aquilo de que o nosso sistema educativo precisa: professoras nuas. Primeiro, por uma questão de disciplina. Nenhum aluno arrisca a expulsão da sala onde lecciona a Miss Fevereiro.



Segundo, por razões de concentração no estudo. Qualquer jovem aluno já deu por si a imaginar a professora sem roupa. Eu não fujo à regra, e aproveito a oportunidade para pedir desculpa à Irmã Genoveva. Mas os alunos de professoras que posam na Playboy não perdem tempo com distracções dessas: não precisam. Se querem ver a professora despida, abrem a revista na página 49. Na sala de aula, concentram-se na compreensão da matéria.



Terceiro, para conseguir o desejado envolvimento da comunidade no processo educativo. Os encarregados de educação mais desinteressados passam a frequentar todas as reuniões de fim de período: os pais desejam ver a professora; as mães desejam verificar se os pais não se entusiasmam demasiado com o visionamento da professora. Padrinhos que não vêem o afilhado desde a pia baptismal virão de longe para se inteirarem do aproveitamento escolar do miúdo.



(...) O receio de alarme social levou a Câmara a retirar a docente do contacto com os alunos e a enviá-la para o arquivo municipal. Ora, o contacto com bibliotecários de óculos grossos que não vêem uma pessoa do sexo feminino nua desde 1977 não será mais perigoso e socialmente alarmante do que o convívio com jovens? Fica a pergunta, para reflexão das autoridades fiscalizadoras da nudez".

Oh RAP, que ideia faz dos bibliotecári@s? :)

Excertos da crónica de Ricardo Araújo Pereira para a revista Visão, em 19 de Mai de 2010. Pode ler na íntegra AQUI. Muito divertida.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Uma crónica com muito amor, poucas palavras e pequenos gestos...

Como fazer chichi contra as paredes...porque isso é de homem...pieguices não!

Excelente crónica de António Lobo Antunes, a desta semana, para a revista Visão:

O João trouxe-me um Santo António pequenino de Pádua: comoveu-me que se tivesse lembrado de mim. Na minha família não se fala de mariquices mas, de vez em quando, há gestos destes, de ternura escondida, como quem não quer a coisa. Deve-se gostar das pessoas sem lhes mostrar. Deve-se gostar das pessoas sem lhes mostrar? Pelo menos entre nós é assim: não há elogios, não há censuras, raramente há perguntas. Para quê? Há um estar ali que é já tanto. Diz-se sem as palavras e percebe-se que se diz e o que se diz porque o clima, não sei explicar de outra maneira, se torna diferente. Não falamos do que cada um faz: a gente sabe. Do que cada um sente: a gente sabe. Não se fala do sofrimento, não se fala da alegria: a gente conhece. É melhor desta forma. Uma única ocasião o meu pai fez-me uma confidência, sacudiu-a logo com a mão



- Chega de pieguices



e alegrou-me que se penitenciasse por transgredir as regras. Não há efusões, não há gestos e, no entanto, as efusões e os gestos estão lá. Quem souber ver que veja, quem não souber é porque não pertence à tribo. Não há lamentos: porque é que hei-de lamentar a minha sorte, interrogava o grego. Não há censuras, não há críticas, salvo em ocasiões muito, mas mesmo muito, especiais. O Zé Cardoso Pires percebia isto



- Vocês estão muito ligados



disse-me um dia, e mudou logo de paleio.



- Nenhum escritor gosta de falar do que escreve



afirmava ele. E, realmente, nunca falámos um ao outro do que escrevíamos. Quase todos os dias conversávamos mas não se tocava nesse assunto. Quando muito



- Estás a trabalhar?



e acabou-se. Ou



- Não estou a trabalhar



e acabou-se. Uma tarde telefonou-me



- É para te dar os parabéns porque ganhei um prémio



desviou logo o assunto e isto é o cúmulo da amizade. Foram os parabéns que, até hoje, mais prazer me deram. Até as nossas dedicatórias mútuas eram secas: Para o António do Zé, Para o Zé do António e um rectângulo à volta, a cercar as palavras, a fechá-las lá dentro. O rectângulo, claro, era o mais importante, e o que estava naqueles quatro riscos, meu Deus. Maior elogio mútuo



- Belo livro



maior crítica mútua: silêncio dentro de um soslaio breve. Não, maior elogio:



- Posso ser amigo de um médico, de um engenheiro, de um pedreiro. Para ser amigo de um artista tenho que admirá-lo.



Passeávamos de braço dado na rua. Com o meu irmão Pedro, por exemplo, darmos o braço é fazermos chichi juntos, no escuro, junto à cascata do jardim dos meus pais, com um comentário sobre o jacto respectivo. Depois sacudirmos os pingos ao mesmo tempo porque a pila não sabe fungar. Então abotoamo-nos e cada um vai para o seu lado, em silêncio. Deve ser difícil as mulheres entenderem isto mas, para os homens, fazer chichi lado a lado, ao ar livre, é sinal de amizade, a olharmos para baixo, cheios de duplos queixos. Tanto che che che nesta frase. Fazer chichi na rua é um dos meus prazeres, devo ter sido cachorro noutra encarnação. Detesto urinóis, retretes: haverá alguma coisa que se compare à exaltação de mijar contra uma parede? Às vezes, a seguir ao jantar, digo ao Pedro



- Já mijaste?



sabendo que ele estava à minha espera para essa celebração da cumplicidade. Nem que sejam três gotas faz-se um esforço. Vemos as árvores, vemos o muro, não nos vemos um ao outro mas estamos ali. Nem quero pensar na ideia de fazer chichi sozinho. No fim pergunta-se



- Como é que estás?



sabendo que o parceiro se cala. Depois cada um no seu carro, sem mais palavras. Um atrás do outro e, a certa altura, separamo-nos, com um sentimentozito de despedida que custa. Quer dizer não custa assim tanto, custa um bocadinho e passa. Eu vou fazer redacções, ele vai fazer não sei o quê: pouco importa. Importa que durante uns momentos estivemos juntos. Agora interrompi esta crónica porque fui lá dentro espreitar o Santo António antes de lhe pôr o ponto final. Que pena um ponto final ser tão pequenino.

 
António Lobo Antunes
Publicado em 31 de Mar de 2010 AQUI.
 
Muito bom!

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Crepúsculo, Lua Vermelha e outros vampiros: apetecíveis ou tótós? Sobretudo rentáveis.



Os vampiros de hoje são mais complicados, pensam demais, têm dilemas morais...uma chatice...antes fincavam o dente e pronto!!!

Acerca da Saga Crepúsculo, composta por quatro bestsellers de Stephenie Meyer, fala-se da pornografia da abstinência...eu falaria antes do erotismo da contenção...que não é de todo desagradável.

O que é certo é que a moda pegou. Há amantes de cabidela por todo o lado como bem o diz Ricardo Araújo Pereira, na sua crónica desta semana para a Visão:


Ao que parece, alguém se enganou com o seu ar sisudo e lhes franqueou as portas à chegada: os vampiros estão em todo o lado. Na literatura, no cinema, na televisão, aparecem vampiros a toda a hora. Saiu uma antologia portuguesa de contos com vampiros, há filmes e livros estrangeiros cheios de vampiros, e quase todos os programas de televisão incluem um vampiro: nas telenovelas, lá está um vampiro; nas séries juvenis, lá está um vampiro; nas conferências de imprensa do ministro das Finanças, lá está um vampiro.
Por que razão abandonaram os vampiros a Transilvânia e vieram povoar o resto do mundo? Por uma razão artística muito forte: porque vendem. Aparentemente, o público do início do século XXI tem um interesse sem precedentes pelos vampiros - o que, diga-se, não é fácil de perceber. Os vampiros são um monstro que não inspira particular terror. São, no fundo, um monstro totó. Gostam de sangue, mas isso também os apreciadores de cabidela, e eu não tenho medo deles. Não podem apanhar sol, como as crianças que têm a pele leitosa. Têm medo de alhos, que é das fobias mais maricas que uma pessoa pode ter. E morrem se lhes espetarem uma estaca de madeira no coração. Olha que idiossincrasia tão gira. Ao contrário do que acontece com o resto de nós, os vampiros não duram muito se lhes empalarem o coração. De resto, é um facto que desejam morder-nos o pescoço, o que não deve ser agradável. Mas, se o conseguirem, transformam-nos em vampiros imortais. Que transtorno tão grande. Um monstro que, se não tivermos cuidado, nos dá a vida eterna. Há religiões que, a troco de muito dinheiro, não oferecem metade. Por mim, não me importo de ficar com os caninos um pouco maiores se é esse o preço a pagar para viver para sempre. Nem precisam de me prometer a eternidade: perante a perspectiva da morte, até aceito ficar com a dentição da Teresa Guilherme se me derem mais duas semanas de vida.
O mais surpreendente nestes vampiros modernos é o modo como a adaptação aos tempos actuais os tornou ainda menos assustadores. Apaixonam-se com muita facilidade por raparigas humanas, o que lhes agrava as olheiras. Desenvolveram uma ética que não lhes permite fincar o dente em qualquer pescoço para saciar a fome. São monstros certinhos, que querem comportar-se como deve ser para terem uma vida social igual à das outras pessoas. São uma espécie de diabético que, em vez de tomar a injecção de insulina de vez em quando, toma um sucedâneo de sangue. Não são monstros, são pessoas doentes que querem fazer uma vida normal. É aborrecido. Os vampiros da minha infância andariam por aí a morder pescoços indiscriminadamente. A estes, só lhes falta que a ASAE apareça a proibi-los de sugar artérias em restaurantes. Bananas.
Mais uma vez hilariante! 



"Eles comem tudo, desde que não tenha alho", publicado no site da Visão em 4 de Fevereiro de 2010.





quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A escrita e a ténue fronteira entre a autobiografia e a ficção.

Fascina-me sempre a forma como um escritor se expõe, se denuncia, numa ténue fronteira entre a autobiografia e a ficção.


Esta é uma reflexão minha depois da leitura da última crónica de António Lobo Antunes, esplêndida como sempre. Nela o escritor revolta-se contra a velhice, lembra de como diziam que era bonito, o surpreendente assédio das raparigas, a vez em que foi a uma casa de prostitutas e fugiu pelas escadas abaixo, as doenças de família, os suicídios, o remorso pelos momentos em que se afasta das palavras escritas. Para ler aqui.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O cão de Sócrates não lê...

...nem fala ao telefone, nem sequer em inglês... mesmo assim, não sei se resiste à onda de escândalos "socratistas". Ricardo Araújo Pereira explica porquê:


"Se Sócrates tem um cão, sugiro que o submeta a vigilância apertada. Parece óbvio que vai ser o bicho a protagonizar o próximo escândalo. Ninguém sabe se fez um desfalque nas latas de ração, se alçou a pata para uma árvore protegida, se foi visto a cheirar o rabo do cão do Presidente. Mas alguma coisa terá feito. E a justiça há-de deixar no ar a ideia de que se trata de qualquer coisa grave, ideia à qual a comunicação social dará o eco devido. E, no final, o caso terá um desfecho terrivelmente inconclusivo".


Isto é só um excerto, leiam esta crónica hilariante aqui.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

O enjoo das metáforas sobre muros e pontes

:)


Excerto da crónica desta semana de Ricardo Araújo Pereira para a revista Visão:

"...o muro de Berlim caiu mesmo, e 20 anos depois da queda as metáforas sobre muros continuam pujantes. Quando, na passada segunda-feira, se comemorou o aniversário da queda do muro, ficou claro que as metáforas com muros estão para o muro de Berlim como a pergunta "Queria, já não quer?" está para os clientes dos cafés que, por educação, fazem o pedido no pretérito imperfeito. A queda do muro é uma efeméride que, ano após ano, ouve sempre as mesmas piadas. Todos, mas mesmo todos os comentadores lembraram outros muros que, à semelhança do de Berlim, devemos derrubar. O muro da intolerância, o muro da injustiça ou o muro da desigualdade social foram alguns dos muros mais citados. E todos, mas mesmo todos, apontaram a seguir as pontes que devem ser construídas nas ruínas dos muros. A ponte da esperança e a ponte do entendimento entre os povos foram as duas infra-estruturas metafóricas mais referidas. Se juntarmos a estes muros e pontes as auto-estradas da informação, percebemos que as metáforas sobre obras-públicas são, sem dúvida nenhuma, as mais populares do espaço público português. Somos um povo de construtores civis da metáfora, de patos-bravos da figura de estilo - o que não tem mal nenhum. Estou só a observar um fenómeno sem o julgar. Por favor, não me enfiem no túnel da incompreensão".

Podem ler na íntegra aqui.


terça-feira, 10 de novembro de 2009

Ricardo Araújo Pereira sugere prenda prática e elegante para este Natal

"O que se oferece a quem já tem tudo? Um cheque de 10 mil euros é uma boa hipótese. Há ofertas que sabem sempre bem, e um cheque de 10 mil euros é simultaneamente prático e elegante. É elegante por ser, no fundo, uma mensagem escrita num tempo em que as pessoas já não escrevem umas às outras, o que é desde logo comovente. É prático, porque ninguém se queixa de já ter um igual e, na hipótese remota de não gostar, trata-se de um presente que se pode trocar em qualquer altura. Nomeadamente, por bens no valor de 10 mil euros". 




Excerto da crónica de Ricardo Araújo Pereira para a Revista Visão desta semana. O texto completo aqui




Bem malta, não puxem mais pela cabeça, já sabem o que é que eu quero pró Natal!!! :)))) 

sábado, 24 de outubro de 2009

É na cauda da Europa que se enxota as moscas!



Excertos da crónica de Ricardo Araújo Pereira, ilustre esmiuçador, na revista Visão desta semana:

"Quando eu nasci (eu sou da mesma colheita do RAP, mais ano menos ano, por isso identifico-me com o que ele aqui escreve) , Portugal estava na cauda da Europa. Veio o PREC, e Portugal continuou na cauda da Europa. Depois chegou alguma estabilidade, e aí Portugal continuou na cauda da Europa. Entrámos na CEE, e permanecemos na cauda da Europa. Vieram os governos de Cavaco Silva, mais os milhões comunitários, e - então sim - Portugal continuou na cauda da Europa. Nisto, o PS voltou ao poder. E Portugal manteve-se na cauda da Europa. A seguir, o PSD regressou ao governo. E Portugal na cauda da Europa. Depois, mais governos do PS até hoje. E Portugal firme na cauda da Europa. Onde fica Portugal? Na cauda da Europa. Não se sabe que bicho é a Europa, mas lá que tem uma cauda é garantido. E não há dúvidas nenhumas de que Portugal está nela sozinho.

(...)

Como se explica este fenómeno da nossa longa estada na cauda da Europa? Creio que só pode ser uma opção. E, sendo uma opção, tem de ser estratégica. É muito raro uma opção não ser estratégica. Já tivemos vários governos e regimes, e todos, sem excepção, optaram por nos manter na cauda. Deve haver um plano. Outros países, que não têm coragem de permanecer na cauda, foram avançando para a garupa. É lá com eles. Mais fica de cauda para nós.

A verdade é que alguém tem de ficar na cauda. E, no que diz respeito a caudas de continentes, a estar nalguma que seja na da Europa. Temos a experiência, o talento e, pelos vistos, a vocação para estar na cauda. Seria uma pena desperdiçar décadas e décadas de prática. Será sensato que um país com o tamanho do nosso se aventure para fora da cauda da Europa? É importante não esquecer que é com a cauda que se enxotam as moscas. E que a cauda consegue enxotar tudo, menos o que está na cauda. Os pessimistas dirão: temos o último lugar garantido. Os optimistas hão-de notar que, ao menos, é um lugar. E que está garantido. Já não é nada mau".

Não está aqui o texto todo e já contei 20 vezes "cauda" e uma "caudas": a repetição pode ser um recurso estilístico eloquente, ou não cantava agora Sócrates a modinha do "diálogo"!

A  crónica Portugal, rabejador da Europa pode ser lida na íntegra aqui.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

"Adoro as tuas unhas de puta "

   "- Adoro as tuas unhas de puta
como adoro a cabeça de perfil e os olhos fechados, o modo de dizer
   - Minha riqueza
os dentes no meu ombro. Tudo treme no vento e se refaz, tudo se desarticula na água e permanece inteiro, os teus pés descalços nos pedais do carro, os calcanhares, um após outro, no apoio do lavatório para o creme das pernas, os pontinhos brancos que distribuis pela cara antes de os espalhar, o secador levantando o cabelo molhado, o modo de apertar o soutien nas costas numa habilidade de contorcionista, o nariz franzido vasculhando o frigorifico, uma joaninha num ramo de rosas, o modo rápido de lidar com os objectos e nisto, de repente, a surpresa de uma ternura vagarosa, ávida, os bicos do peito a crescerem, a mansa ferocidade dos dentes".

Excerto da crónica de António Lobo Antunes, Gaivotas pequeninas, publicada na Visão desta semana.



Leio e penso logo: Intimidade. Casal. Gestos quotidianos em comum.

E fico a imaginar como serão as unhas de puta... :)

sábado, 3 de outubro de 2009

António Lobo Antunes fala da sua relação com Deus

"A minha relação com Deus tem sido sempre tumultuosa, cheia de desacordos e discussões: longos períodos em que me afasto, alturas em que me aproximo, amuos, quase insultos, discussões. Creio firmemente que, nos livros que escrevo, é Ele que guia a minha mão e não passo de um instrumento da Sua vontade".

 

Este é um excerto da belíssima crónica do escritor que saiu esta semana, em 1 de Outubro de 2009, na Visão, De profundis.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Ricardo Araújo Pereira esmiuça "O Watergate Português"

"A História repete-se, primeiro como tragédia, depois como farsa". Aqui está mais uma frase de Marx que demonstra o modo como, em certos aspectos, o seu pensamento está desactualizado ou incompleto. Marx não soube perceber (mas quem o censura?) que, quando se repete em Portugal, a História volta na forma de um espectáculo que está vários furos acima da farsa - quer em termos de ridículo, quer quanto à riqueza do enredo. O recente caso do Watergate português merece, por isso, ser analisado mais do ponto de vista humorístico que do ponto de vista político. Felizmente, há muito para dizer. 
 
A primeira grande diferença entre a complexa história de espionagem americana e a nossa soberba comédia talvez seja o facto de, nos Estados Unidos, as escutas existirem mesmo. Parecendo que não, numa história de escutas, isso faz alguma diferença. Em Portugal, até ver, as escutas são imaginárias, o que confere à história este carácter encantadoramente rocambolesco - e muito português: os americanos agem, colocam escutas, espiam mesmo; os portugueses imaginam que estão a ser escutados, fantasiam sobre espionagem, convidam os jornais a efabularem com eles".
 
Podem ler na íntegra na Visão on-line aqui.
 
 

LinkWithin

Blog Widget by LinkWithin